Não bastasse a turbulência política dos últimos dias e Leonard Cohen inventa de morrer. Não que não tivesse avisado: o último álbum, lançado recém em outubro, já dava sinais de despedida da vida. O encerramento da última turnê também – o cheiro de "não tem mais" andava pelo ar. Assim foi. Depois de uma carreira de poeta e cancionista, Leonard Cohen se foi.
Quando o Nobel de Literatura foi para Bob Dylan, Leonard Cohen apareceu como uma das possibilidades para um prêmio desses. Mas não. A densidade social, ideológica – mesmo midiática – de Dylan é exponencialmente mais sólida que a de Cohen, apesar de Cohen ter composto uma das canções mais gravadas de sempre: Hallelujah, com seus mais de 300 registros, num espectro que vai dos cantores de ópera ao The voice.
Na realidade, Hallelujah é uma daquelas raras canções que mereceram uma biografia em livro. Biografia da canção, e não do autor, entenda-se. É O sagrado e o impuro, numa tradução bem livre do inglês The holy and the broken, de Alan Light. Ali está traçado o percurso dessa canção que começou meio escondida mas foi ganhando contornos cada vez mais melodramáticos até completar seu ciclo na emocionalidade às vezes excessivamente fácil dos reality shows.
Uma vez estive com Philip Glass e conversamos muito sobre o seu (então) mais recente álbum: The book of longing, coleção de canções sobre os poemas de Leonard Cohen reunidos numa coletânea homônima, O livro da espera e da esperança (como traduzir as nuanças que se escondem sob o título?). Glass é o compositor símbolo do minimalismo musical, mas através da poesia de Cohen ele havia se transformado momentaneamente em cancionista.
É um exemplo do poder transformador notável da poesia de Cohen. Por isso, a partida tão anunciada de Leonard Cohen é tão ou mais melancólica. Não, ele não foi o compositor de uma canção só. Hallelujah não é mais do que um símbolo com a visibilidade dos símbolos. Escutando e lendo Leonard Cohen, a conclusão é inevitável – ele é mais do que compositor e poeta.
Ele foi um cronista da vida, dos altos e baixos da vida.