Beatriz conquistou Cristovao Tezza aos poucos. A personagem apareceu pela primeira vez como coadjuvante em um conto que o autor catarinense criou depois de O filho eterno (2007), romance premiado cuja adaptação cinematográfica deve estrear em breve, com Marcos Veras e Débora Falabella. A personagem foi crescendo, assumindo protagonismo no livro Um erro emocional (2010) e dando nome a um volume de contos lançado em 2011. Agora, é ela quem norteia o recém-lançado A tradutora, narrativa longa na qual o autor demonstra mais uma vez que é capaz de escrever como poucos sob o ponto de vista feminino.
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O romance capta a personagem na casa dos 30 anos e à beira de uma crise pessoal. Com poucos amigos, envolvida em um relacionamento amoroso que está se esfacelando e com uma vida econômica apertada e sem perspectiva de melhora, Beatriz mergulha em seu trabalho de tradutora como uma forma de escapar da realidade. Ela traduz para o português um livro do fictício escritor catalão Felip T. Xavaste, um filósofo com inclinação conservadora que critica conceitos como a microfísica do poder de Michel Foucault.
Beatriz, no entanto, não conseguirá se manter por muito tempo alheia de seus problemas. O pensamento de Xaveste, que busca desnudar contradições da tradição filosófica identificada com a esquerda, parece também remeter às contradições de seu parceiro amoroso, um escritor de meia idade que preserva ideias românticos juvenis, mas que exerce sobre ela um domínio psicológico sufocante. A situação começa a mudar definitivamente quando a personagem é contratada por um dirigente alemão da Fifa para ser sua intérprete em visita à Curitiba, onde Beatriz (e o próprio Tezza) mora, para os preparativos da Copa do Mundo.
Ao longo de três dias, Beatriz leva o estrangeiro a diferentes endereços da capital paranaense – alguns turísticos, outros nem tanto, como uma casa de umbanda. Ao lado de um homem que jamais havia visitado a cidade onde cresceu, ela também começa a enxergar seu espaço com novo olhar, aditivado pela leitura da filosofia iconoclasta de Xavaste.
O livro é narrado combinando trechos em terceira pessoa com divagações da mente da protagonista, diálogos e trechos da tradução da provocativa escrita de Xavaste. Longe de ser linear, A tradutora alterna diferentes lembranças do passado de Beatriz, em um fluxo aparentemente desordenado, que evoca a livre associação da memória. É nesse modo de narrar que reside a maior força do livro, criando uma protagonista com densidade psicológica rara, com a qual o leitor dificilmente deixará de sentir identificação e empatia. Tal como o trabalho de tradução da protagonista, a leitura do romance é um modo de escapar da realidade, mas também proporciona a volta ao cotidiano com novo olhar.
A tradutora
De Cristovão Tezza
Romance, Record, 208 páginas, R$ 42,90.
Cotação: 3 de 5 estrelas