A derrota em prêmios prévios como o do Sindicato dos Produtores (para a A Grande Aposta), termômetro mais confiável do Oscar nos últimos anos, tirou o favoritismo de O Regresso na maior premiação da indústria do entretenimento. Mas o filme de Alejandro González Iñárritu, recordista de indicações, com 12, estreia nesta quinta-feira como o mais aguardado da safra de títulos que chegam aos cinemas nas semanas anteriores à entrega dos troféus. É o mais espetaculoso entre os concorrentes nas principais categorias do Oscar 2016.
Há muita neve, muito frio, muito sangue e muito sofrimento em O Regresso. Iñárritu, que venceu o Oscar no ano passado com o maneirista Birdman, de novo mergulha em excessos ao contar a história real de Hugh Glass, guia de expedições de caça que é abandonado pelos companheiros em um ambiente inóspito no extremo norte dos EUA de 1820. Quem pode tirar proveito dessa opção estética é Leonardo DiCaprio, que encarna o protagonista com uma pitada de cada um dos temperos que costumam satisfazer a obsessão dos votantes da Academia de Hollywood por performances eloquentes, grandiosas e, de preferência, marcadas pela transformação física. Ao que tudo indica, chegou a hora do ator de 41 anos receber a primeira estatueta.
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Sua transformação propriamente dita se dá quando Glass quase é comido vivo por um urso, em uma das mais virulentas sequências do cinema recente. Antes, o grupo em que ele está foi atacado por índios, em outra cena impressionante, rodada em plano-sequência, e empurrado para a selva coberta de neve. O Regresso é um filme sobre o desafio da sobrevivência nesse ambiente, mas também uma clássica trama de vingança - do protagonista, que busca forças para resistir porque quer se vingar de John Fitzgerald (Tom Hardy, indicado ao Oscar de ator coadjuvante), parceiro que o abandonou e, mais do que isso, matou seu filho (Forrest Goodluck) quando este reagiu à tentativa de se livrar do "encosto" representado pelo colega ferido.
Alegoria da desarmonia entre homem e natureza
Descendente de irlandeses, Glass (1780 - 1833) foi um explorador próximo das tribos locais. Falava o idioma pawnee, conhecia a região e, por isso, era requisitado a guiar expedições de caçadores, conforme já se contou em diversos livros, entre eles The Revenant, de Michael Punke, e no longa-metragem Fúria Selvagem (1971), de Richard Sarafian. O ato de abandoná-lo desencadeia em si uma questão ética entre os homens brancos, porém, o principal mérito de O Regresso é ir além.
Antes que o caos se estabelecesse entre eles, foi preciso que Glass se aproximasse da natureza e dos nativos e, depois, vendesse seu conhecimento aos exploradores. Estes, com seu comportamento sanguinário, interferiram no ambiente provocando reações -
dos animais e dos indígenas locais.
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Nessa alegoria da desarmonia entre homem e natureza que é O Regresso, Iñárritu tomou partido: presta reverência ao meio ambiente com muitos planos abertos, nos quais invariavelmente usa lentes de grande angulação e imagens em contra-plongée (de baixo para cima) para ressaltar a pequenez das pessoas diante do que as cerca. A câmera sempre próxima, inclusive absorvendo gotas de neve e de sangue, é apenas um detalhe que visa a aumentar o choque do espectador - o que de fato acontece, veja e tire a prova.
Entre Terrence Malick (O Novo Mundo, A Árvore da Vida) e Avatar (de James Cameron), blockbuster de 2009 que trouxe a ecologia para a pauta de Hollywood, O Regresso é um projeto de libertação de Iñárritu, na medida em que Birdman era um exemplar de cinema da claustrofobia, rodado quase sem cortes nos corredores e no palco de um teatro. Pena que o cineasta mexicano, outrora conhecido pelos filmes corais (Amores Brutos, Babel), não tem mão firme para explorar a dor humana (vide o mais recente Biutiful). Tivesse uma direção menos histriônica, O Regresso poderia ser um filmaço.
O Regresso
(The Revenant)
De Alejandro González Iñárritu.
Com Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Will Pouter, Domnhall Gleeson e Forrest Goodluck.
Drama/aventura, EUA, 2015, 156min.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas, em cópias 3D, Imax e convencionais.
Cotação: 3 estrelas (de 5).