Se hoje o tema da transexualidade envolve incompreensão e preconceito, imagine há quase cem anos, quando o pintor dinamarquês Einar Wegener (1882 - 1931) decidiu se submeter àquela que é tida como uma das primeiras cirurgias de mudança de gênero, adotando o nome Lili Elbe e passando a ser socialmente reconhecido como mulher. Lili é uma referência global dos movimentos LGBT. É com reverência que ela é tratada na cinebiografia A Garota Dinamarquesa, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas.
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O melodrama de Tom Hooper (diretor vencedor do Oscar por O Discurso do Rei) começa apresentando a felicidade do jovem casal formado por Einar (Eddie Redmayne) e Gerda Wegener (Alicia Vikander). Eles circulam pela alta sociedade de Copenhague na efervescente década de 1920, tentando se afirmar no circuito artístico local, ela como pintora de retratos, ele dedicado às paisagens. Estão muito seguros de si e da própria relação, indica reiteradamente o roteiro que Lucinda Coxon escreveu a partir do romance homônimo de David Ebershoff. Quando ele se veste de mulher, inicialmente para servir de modelo para o trabalho dela, as coisas começam a mudar. Mas nem tanto assim.
Gerda dá suporte ao marido e, compreensiva, vê o desabrochar de Lili com alguma frustração e muita benevolência. Esse paradoxo é encarnado com enorme eficácia por Alicia Vikander, atriz sueca de 27 anos conhecida por longas como O Amante da Rainha (2012) e Ex-Machina: Instinto Artificial (2015). A delicadeza de sua performance encontra correspondência na atuação de Eddie Redmayne, que, a exemplo do que fizera na representação de Stephen Hawking de A Teoria de Tudo (2014), contempla em sua expressão toda a carga de sentimentos de um personagem em grande transformação.
Aos 33 anos, o londrino Redmayne tinha tudo para fazer história ganhando seu segundo Oscar, não fosse esta a temporada - ao que tudo indica - da consagração de Leonardo DiCaprio.
A sutileza das composições de seus atores principais, no entanto, não encontra respaldo em algumas escolhas de Tom Hooper. A partir de um roteiro esquemático, e com uma trilha sonora excessiva, o ainda jovem diretor (tem 43 anos e está no quinto longa-metragem) tem dificuldades para aprofundar a reflexão sobre a condição social de seus personagens. As sequências em que tenta fazê-lo, como a da agressão em uma praça de Paris, onde o casal vai viver, são pouco inspiradas.
É apenas quando a câmera busca os detalhes da expressão dos dois atores - ou mesmo dos figurinos e dos belos cenários de época, alguns deles inspirados em pinturas do século 19 - que A Garota Dinamarquesa cresce.
É pouco, diante da riqueza do tema e das vidas retratadas. E, em se tratando de um melodrama, acaba tornando a fruição às vezes monótona - a não ser que os atores te emocionem por si só, o que é perfeitamente possível, dada a força de suas interpretações.
À sua maneira, A Garota Dinamarquesa acaba trazendo luz sobre uma personagem (duas, na verdade) iluminada, transgressora e, viu-se nos anos seguintes, à frente de seu tempo. Pena que sua forma tradicional, careta mesmo, tenha impedido o filme de incorporar esses adjetivos para si.
A Garota Dinamarquesa
(The Danish Girl)
De Tom Hooper
Com Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber Heard, Bem Wishaw e Matthias Schoenaerts.
Drama, Grã-Bretanha/EUA/Bélgica/Dinamarca/Alemanha, 2015, 119min.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas.
Cotação: 3 estrelas (de 5).