Em uma grande propriedade rural pontilhada por azinheiras e sobreiros, cerca de 350 porcos desfrutam as últimas semanas de uma vida curta, mas feliz. Eles andam livremente, dormem ao ar livre ou se abrigam em chiqueiros espaçosos. Sobretudo, é durante o outono que eles podem se deleitar o dia todo com as bolotas caídas das árvores.
- Os porcos são conhecidos por comerem tudo, mas quando se trata de suas bolotas preferidas, eles são especialistas e muito seletivos, e quanto mais doce for a bolota, melhor - disse Juan Carlos Domínguez Lorenzo, 49 anos, que nasceu na fazenda e cuida da criação desde a adolescência.
A forma como esses porcos da raça ibérica são criados e alimentados aqui tem pouca coisa a ver com como a maioria das carnes é produzida praticamente em todos os outros lugares, tornando o presunto curado uma iguaria apreciada por seu sabor e texturas únicos, acentuados pelo sabor doce das bolotas comidas pelos porcos.
Assim, quando a Organização Mundial da Saúde, em relatório, associou carnes processadas ao câncer colorretal, a notícia foi considerada uma afronta por muitos espanhóis, que comem o presunto curado produzido assim há gerações.
Hoje em dia, o presunto do porco ibérico espanhol é cada vez mais procurado mundo afora, principalmente entre consumidores chineses preocupados com a segurança dos alimentos produzidos na China.
- O presunto espanhol é um produto muito singular, mas também é visto como saudável, um grande atrativo quando se vende a um chinês - afirmou Oliver Win, da Olivier Pacific Ltd., distribuidora de alimentos refinados de Hong Kong que importa a marca Cinco Jotas de presunto espanhol.
Os produtores espanhóis, na verdade, ficaram ressentidos com a tentativa da OMS de misturar seu presunto de luxo com produtos baratos como salsichas processadas e hambúrguer.
Uma única pata do melhor presunto da Cinco Jotas - pesando cerca de oito quilos - custa ao redor de US$ 670 na Espanha - nos Estados Unidos, o preço quase dobra. Até mesmo a forma de fatiar o presunto é considerada uma espécie de arte.
- Não tem como esse presunto ser mais natural, sem metais pesados, conservantes nem corantes - e vem de um animal que ganhou músculo comendo o melhor alimento e se exercitando bastante em bonitas paisagens - disse José Gómez, proprietário da Joselito, outra marca de primeira linha. - Existem milhares de produtos que apresentam um risco mais elevado de câncer.
Com paixão por produtos suínos, e renda crescente, os chineses entraram com gosto no mercado de presuntos ibéricos, ainda que pagando um pouco mais pelo produto espanhol do que o preço no mercado norte-americano. A próxima etapa, segundo produtores espanhóis, é fazer a China cancelar uma restrição incômoda que os força a remover o osso da pata.
Na verdade, o apetite chinês pelo porco espanhol se estende por toda sua cadeia produtiva, incluindo miúdos que muitas empresas espanholas lutam para exportar a muitos países ocidentais.
A exportação de carne suína fresca da Espanha para a China, incluindo cabeça, orelhas e outras partes, cresceu 35% em 2014, fazendo do país o segundo maior mercado em volume, atrás somente da vizinha França, segundo dados das autoridades espanholas.
Em 2014, a Fosun, um dos maiores conglomerados financeiros e industriais da China, comprou uma participação na empresa controladora da Cinco Jotas, uma das principais marcas de presunto ibérico da Espanha, com sede em Jabugo.
- Geralmente, pensamos que a nossa cultura é mais parecida com a dos EUA, mas quando se trata de presunto, a gastronomia chinesa está em verdadeira sintonia conosco - afirmou Bernardino Rodríguez, diretor-geral da Cinco Jotas, durante visitas pelas adegas onde as patas de presunto estão penduradas no teto e são deixadas para maturar.
- Não consigo pensar em ninguém mais capaz de distinguir entre as diferentes características do presunto do que os chineses - ele disse.
O mais refinado presunto ibérico é produzido no sudoeste espanhol, região marcada por fortes mudanças climáticas.
Por exemplo, Jabugo tem uma das precipitações pluviométricas mais elevadas da Espanha, resultando em inverno úmido que ajuda a espalhar o sal na carne enquanto esta é curada, usando um método que remonta à época dos romanos. Já os meses quentes do verão favorecem a secagem e o "suor" do presunto.
- Se você não tiver o clima certo, simplesmente não consegue produzir - afirmou Gómez, da Joselito. - O presunto tem algo a ver com o vinho porque pequenas etapas e ajustes fazem toda a diferença entre um produto mediano e o de primeira linha.
A fascinação crescente dos chineses pelos presuntos também tem sido auxiliada pelo crescimento de turistas da China na Espanha, onde têm a oportunidade de provar em primeira mão a ampla oferta de gastronomia suína do país.
- Nós abrimos às 13h, e os primeiros clientes que entram pela porta agora são quase sempre chineses - disse José María Ruiz Benito, proprietário do restaurante José María, em Segóvia, famoso pelo leitão assado.
Por causa disso, alguns produtores também temem compartilhar seus conhecimentos com a China, observando que, alguns anos atrás, a Espanha teve de pressionar as autoridades chinesas para que impedissem alguns produtores de violar regras de direitos autorais batizando seu presunto como "Jabugo".
- Meu temor é que os chineses estejam dispostos a importar hoje para descobrir como se faz e possam produzir amanhã seu próprio presunto de qualidade - declarou Ricardo Sánchez, gerente-geral da Arturo Sánchez, produtor espanhol.
Por ora, no entanto, a ideia de que seus porcos vão terminar em pratos chineses parece muito remota para Domínguez Lorenzo, o criador.
- Faço tudo certo com esses porcos, e se esse trabalho for reconhecido do outro lado do mundo, tudo bem.
Então, ele se virou para os porcos e deu um grito para chamar sua atenção, antes de levá-los, quase como um pastor, até outro grupo de árvores em busca de bolotas recém-caídas.