Tempos atrás, Luis Fernando Verissimo resumiu Flora Almeida como "uma cantora de jazz". Isso sem ela nunca ter feito um disco cantando jazz. Agora fez; mas com músicas de... Noel Rosa! Com que Roupa, seu quarto álbum em 30 anos de carreira, afirma com ousadia a definição de Verissimo. Ao lado de um ótimo quarteto e convidados, Flora jazzifica o Poeta da Vila de forma brilhante. Sua voz e feeling tornaram fácil um projeto teoricamente difícil, pois quem poderia imaginar que a roupa do jazz entraria bem nos sambas de Noel?
Na verdade, o projeto é antigo: o show com o mesmo título estreou em temporada na casa noturna carioca Mistura Fina em 1990, época em que Flora vivia no Rio de Janeiro. O arranjador e guitarrista era Ademir Cândido, gaúcho há muito radicado lá, que 25 anos depois ela chamou para fazer o disco e liderar o grupo no show de lançamento, na quinta-feira próxima, no Theatro São Pedro.
Já na primeira faixa, Feitiço da Vila, puramente jazzística, Flora apresenta suas credenciais improvisando e fazendo malabarismos com a voz. Em seguida, uma cuíca abre Feitio de Oração em levada de samba que logo fica samba-jazz. E assim segue o CD produzido por Leo Bracht: os dois gêneros dialogando, mas sempre sobre a estrutura jazzy. Tem Palpite Infeliz, Último Desejo (com solo de Jorginho do Trompete), Conversa de Botequim, Fita Amarela, Três Apitos (só com duas guitarras, a de Ademir e a de Alegre Corrêa), As Pastorinhas (bem lenta, com as cordas de Vagner Cunha), a pouco conhecida Estátua da Paciência. Além de Ademir, que também toca violão, estão impecáveis Luís Henrique New no piano, Edu Martins no contrabaixo e Marquinhos Fê na bateria. Flora é uma das grandes cantoras brasileiras. Pena que seu talento tenha em Porto Alegre poucas oportunidades de ser mais conhecido.
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PamPiano volta com imagens do Sul
Lançado em 2004, o CD PamPiano foi desde o título uma grande sacada de Olinda Allessandrini. De forma inédita, ela reuniu obras de compositores eruditos brasileiros, argentinos e uruguaios que se debruçaram sobre a cultura gaúcha de seus países. O recital com o resultado das pesquisas da pianista foi apresentado originalmente em 2002, em Berlim, durante o Seminário Internacional sobre Fronteiras Culturais.
O álbum se tornaria um clássico de sua bem-sucedida carreira - que inclui outros 10 discos lançados a partir de 1993. E acaba de se materializar no primeiro DVD, PamPiano, dirigido pelo compositor e cineasta Caio Amon. É um trabalho belíssimo, sensível, muito bem realizado. As imagens de Olinda tocando (e como!) no palco do Teatro CIEE se alternam com cenas do campo, horizontes, bolichos, homens, animais, objetos típicos etc.
Os compositores são os rio-grandenses Natho Henn, Breno Blauth, Radamés Gnattali, Suzana Almada e Dimitri Cervo (único vivo). Os argentinos: Ariel Ramírez, Carlos Guastavino, Carlos López Buchardo, Julian Aguirre e Alberto Ginastera, todos mortos. E, também falecidos, os uruguaios Dalmiro Costa e Eduardo Fabini. O encarte traz informações sobre cada um e suas músicas.
Antena
4 CLIMAS
De Conrado Paulino Quarteto
Fugindo da ditadura argentina, Conrado Paulino chegou ao Brasil em 1980, com 20 anos, uma formação em violão erudito, influências do jazz, do nuevo tango e da música brasileira. Depois de seis anos em Campinas, tocando violão e guitarra em bares e bailes, fixou-se em São Paulo como professor do Clam (famosa escola do Zimbo Trio). Acompanhou Rosa Passos, Alaíde Costa e Johnny Alf, entre outros. Este é o quarto CD que grava com o afiadíssimo quarteto formado em 2001 com Débora Gurgel no piano, Marinho Andreotti no baixo e Percio Sapia na bateria. Sofisticado, música de altas esferas nas trilhas do jazz e do samba-jazz, o álbum chega com incisivos elogios de André Mehmari e Dori Caymmi. Em meio a uma maioria de músicas de Conrado, tem Canto Triste (Edu Lobo), Vivo Sonhando (Tom Jobim) e até a surpresa de Anna Julia (Marcelo Camelo). Maximus/Tratore, R$ 30. Disponível nos canais de streaming
AMÉRIKA
De Pó de Café Quarteto
Em 2013, depois de ouvir o disco de estreia do grupo, o crítico carioca Antonio Carlos Miguel o convidou para tocar no Lapa Jazz Festival, no Rio. O sucesso comprovou o acerto. Baseado na cidade paulista de Ribeirão Preto (600 mil habitantes), o Pó de Café está no nível das melhores formações do jazz brasileiro. A presença de temperos afro-caribenhos em sua música envolvente às vezes lembra João Donato. O líder Bruno Barbosa (baixo) divide com Rubinho Antunes (trompete) a maioria das composições. Murilo Barbosa (piano, piano Rhodes) também compõe, completando-se a formação com Marcelo Toledo (sax), Duda Lazarini (bateria) e Neto Braz (percussão), todos muito bons - para este segundo disco o grupo virou sexteto. Mesclando samba com hard bop, o tema Abaporu é uma síntese do álbum. Independente, encomendas pelo Facebook, CD R$ 25, vinil R$ 70. Disponível nos canais de streaming
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DIVERTIMENTOS
Do Trio Opus 12
No texto de apresentação, o internacional violonista Fábio Zanon saúda este terceiro álbum do Trio Opus 12 como "um retrato do ecumenismo musical que ele ajudou a promover e deve se tornar a característica mais marcante da música de concerto no século 21". Criado em 1977 pelo também paulista e não menos reconhecido Paulo Porto Alegre, o trio de violões hoje integrado por seus virtuoses ex-alunos Daniel Murray e Crystian Dozza rompe todas as fronteiras sem que o rigor formal seja comprometido. Como diz o título do CD, o trio se diverte tocando música brasileira composta para sua formação pelos violonistas Paulo Bellinati (Maracatu da Pipa), Marco Pereira (Bate-Coxa) e Sérgio Assad (Suíte Brasileira). O roteiro inclui três composições de Paulo: Tocata e Fuga Funk, Suíte Modal e a suíte Divertimentos, que reúne 10 pequenas peças. Para os apreciadores do violão, um banquete. Maximus/Tratore, R$ 27