Ao abrir o documentário Filme sobre um Bom Fim com um plano que funde presente e passado percorrendo a Avenida Osvaldo Aranha de ponta a ponta, o diretor Boca Migotto sintetiza a proposta de seu tributo ao icônico bairro de Porto Alegre. E fisga o espectador para acompanhá-lo na viagem.
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Aguardado com expectativa desde que seu trailer alcançou grande repercussão nas redes sociais, em outubro passado, Filme sobre um Bom Fim será formalmente apresentado na Capital na noite desta quarta, com uma festa no bar Ocidente. Entra em cartaz com sessões regulares a partir de quinta, no Cine Santander, após première nacional no festival de documentários É Tudo Verdade, em São Paulo, e exibição fora de competição no Festival de Gramado.
O plano-sequência que Migotto reconstituiu, quebrando a Osvaldo Aranha à esquerda na saída do Túnel da Conceição, espelha o que Nelson Nadotti registrou com sua câmera Super-8 em Deu pra Ti, Anos 70, longa de 1981 codirigido com Giba Assis Brasil. Marco do cinema gaúcho, Deu pra Ti... ilustrou com seus cenários e personagens do Bom Fim um período de grande efervescência política, cultural e comportamental que ali nasceu e morreu sem se reproduzir em outros tempos e espaços da cidade - em razão de suas especificidades históricas e geográficas.
Com apoio de imagens de arquivo e depoimentos de dezenas de artistas, jornalistas, historiadores e frequentadores do bairro, Migotto destaca as diferentes faces que o Bom Fim viveu nas últimas décadas. Entre os anos 1960 e 1970, a proximidade com a UFRGS fez dos bares da chamada "esquina maldita" (Osvaldo com Sarmento Leite), entre eles o Alaska, o Marius e o Copa 70, extensão tanto das discussões acadêmicas de contestação à ditadura militar quanto da diversão mundana impregnada pela revolução sexual, pelas ideias libertárias do movimento hippie e pelos bêbados alheios a tudo isso.
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Na virada para os anos 1980, as turmas do teatro, do cinema e da música assopraram as brasas da inquietação e demarcaram seu território como sendo as proximidades da João Telles, no bar Ocidente e seus vizinhos Lola, João e Lancheria do Parque, além dos cinemas Baltimore e Bristol. Nesse epicentro de criação e deleite coletivos, a interação entre diferentes fronts artísticos fez nascer uma cena cultural pujante, que se retroalimentava com o respaldo do público identificado com suas peças, filmes e shows.
Filme sobre um Bom Fim avança até a esquina derradeira da pulsação que ainda tomava conta da Osvaldo Aranha na virada para os anos 1990: a do bar Escaler, no cotovelo da José Bonifácio.
Um aspecto relevante destacado por Migotto em seu passeio memorialístico é o processo de transformação física do Bom Fim com as intervenções imobiliárias. Espaços como o Ocidente e a Lancheria do Parque estão entre os poucos sobreviventes das imagens de ontem que vão emocionar quem circulou pela Osvaldo Aranha no auge da ferveção. E fazer sonhar acordado quem até agora só tinha ouvido falar daqueles tempos em que não se precisava ter um tostão no bolso para garantir uma noitada inesquecível.
FILME SOBRE UM BOM FIM
Quarta, às 21h30min. Ocidente (João Telles esquina com Osvaldo Aranha), em Porto Alegre.Pré-estreia do documentário de Boca Migotto, seguida de festa com discotecagem de Natalia Guasso, Drégus de Oliveira, Paola Oliveira e Rafa Ferreti, entre outros.
Ingressos: não há mais ingressos para assistir ao filme, somente para a festa, após a exibição, vendidos a R$ 25 (na hora). O documentário tem duração de 88 minutos.
Amanhã, o filme entra em cartaz às 15h, às 17h e às 19h no Santander Cultural. Após a sessão das 19h de amanhã, haverá bate-papo com o diretor e personalidades que
foram entrevistadas no documentário.
6 obras para ver, ler e ouvir o Bom Fim
Berlim - Bom Fim
Nei Lisboa chamou Hique Gomez para compor essa ponte entre o bairro porto-alegrense e a capital alemã. Gravada no disco Carecas da Jamaica (1987), a canção cita lugares como Bar João e Ocidente.
Amigo Punk
Clássico de qualquer roda de violão, o hino da Graforréia Xilarmônica retrata a inusitada história de um rapaz que atravessa a cavalo a famosa avenida para entrar no Parque Farroupilha.
A Guerra no Bom Fim
O romance de estreia de Moacyr Scliar, de 1972, narra o impacto da II Guerra no imaginário da comunidade judaica do Bom Fim.
Antes do Túnel - Uma História Pessoal do Bom Fim
Neste livro de memórias, Juremir Machado da Silva faz a crônica da boemia do bairro, seus personagens e lugares míticos.
Esquina Maldita
O livro de Paulo César Teixeira, lançado em 2012, reúne histórias da boemia que se encontrava nos bares próximos ao cruzamento da Osvaldo com a Sarmento Leite nos anos 1960 e 70.
Osvaldo Aranha, 1.086 - Um Dia na Lancheria do Parque
O filme de Guilherme Petry retrata a história de um dos mais tradicionais pontos comerciais da Osvaldo Aranha a partir da memória afetiva de funcionários e frequentadores.
Um bairro, muitas histórias
Deu pra ti, anos 1970
Embora seja mais associada ao longa-metragem em Super-8 que Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti apresentaram em 1981, esta frase tem origem no espetáculo homônimo que Nei Lisboa e Augustinho Licks realizaram em dezembro de 1979 no Teatro Renascença. A expressão "Deu pra ti, anos 70" refletia a ideia de virar a página daquela década pesada que era bafejada por ventos de esperança com a Lei da Anistia, de 1979, que permitiu o regresso de exilados políticos ao Brasil. Para divulgar o show, a frase "Deu pra ti, anos 70" foi pichada em paredes e muros do Bom Fim. Frequentadores do bairro, Giba e Nelson tiveram nela a inspiração para projetos distintos, que decidiram unificar no filme conjunto que promoveu o balanço dos sonhos e das frustrações de uma turma de jovens ao longo daquela década.
Bom Fim - Pequim
Em meados dos anos 1980, a pulsação do Bom Fim era medida por bares lotados e calçadas da Osvaldo Aranha apinhadas de variadas tribos. Diante do incômodo dos moradores com a algazarra, tiveram início medidas como limitação de horário de funcionamento e batidas policiais frequentes. Um episódio emblemático foi a invasão da polícia ao Bar Ocidente, em junho de 1989. Marcada por agressões e prisões arbitrárias, a ação inspirou o movimento de protesto Bom Fim - Pequim, em alusão ao massacre da Praça da Paz Celestial ocorrido à mesma época na China. Entre as iniciativas de artistas e frequentadores do Bom Fim, destacaram-se a performance que simulou o atraque no Ocidente e o show de, entre outros, Replicantes, Nei Lisboa, Julio Reny, Cascavelettes e DeFalla no Araújo Vianna lotado.