Cada escritor traça um caminho próprio para construir sua carreira. No Rio Grande do Sul, grande parte dessas rotas passa por um ponto em comum: a oficina literária de Luiz Antonio de Assis Brasil. Neste ano, o curso completa três décadas, reconhecido por ter ajudado a formar escritores de diferentes gerações, como Michel Laub, Amilcar Bettega, Cíntia Moscovich, Leticia Wierzchowski, Daniel Galera, Paulo Scott, Daniel Pellizzari, Carol Bensimon e Luisa Geisler.
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Assis Brasil também está comemorando em 2015 seus 70 anos, completados neste domingo. A coincidência de datas tem motivado homenagens, como o livro Festschrift para Assis Brasil (Bestiário, 132 páginas, R$ 28). Lançado na semana passada, foi organizado por ex-alunos, contando com crônicas e contos de mais de 40 escritores que passaram por suas classes. Já nesta terça-feira, às 17h30min, uma solenidade homenageia Assis Brasil no Delfos - Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS com depoimentos de personalidades do mundo literário.
As oficinas, abertas para o público geral, têm um ano de duração e são ministradas na Faculdade de Letras da PUCRS, onde Assis Brasil leciona há 40 anos. O curso é pago e tem vagas limitadas.
- Quando abrimos, não havia seleção, aí 60 pessoas se interessaram. Ao longo dos anos, muitas desistiram e permanecemos em um grupo de 15, número que tomei como ideal. A partir de então, passamos a fazer seleções para ter uma ideia do grau de envolvimento do interessado pela criação literária - conta.
Além da necessidade de seleção, outras mudanças vieram com o tempo, como o público.
- Começaram a aparecer pessoas mais jovens, muita gente na casa dos 20 e 30 anos. Além disso, mudaram as razões pelas quais procuram a oficina. Antes, o objetivo era escrever melhor, agora somos procurados por pessoas determinadas a se tornarem escritoras. Algumas, inclusive, vêm de outras cidades do país, largam o trabalho e organizam-se para passar um ano aqui - conta o professor.
Com 19 livros lançados, Assis Brasil se formou leitor a partir de romances do século 19, tendo como mestres Balzac e Flaubert. No entanto, ele se esforça para não uniformizar os alunos a partir de suas referências:
- O respeito pelos alunos é absolutamente necessário, não por uma questão moral, mas para poder libertá-los de mim, para que cada um desenvolva sua voz própria - explica.
O professor dá a dica a quem está começando suas criações literárias: além de escrever muito, não começar pela leitura dos clássicos:
- Minha sugestão é ler os contemporâneos e, na medida em que estes fizerem referência à tradição literária, ler os clássicos que dialogam com esta obra.
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Cíntia Moscovich:
A oficina do Assis, que fiz entre 95 e 96, foi determinante para minha vida. Como tudo no mundo, também a carreira na literatura é feita de uma sucessão de tentativas e erros, de experimentos frustrados, de intuições que nunca funcionam tão bem quanto se imagina - e tudo isso demanda tempo. Nesse sentido, a oficina me atalhou anos e anos de busca: a informação vinha direto da fonte, de um autor tarimbadíssimo e que faz questão absoluta de repartir o que sabe.
Outra ensinamento precioso que só poderia ter vindo do Assis foi o da necessária humildade, essa disposição de ouvir os pares da gente e de levar em conta opiniões de bons leitores. A derrubada de todas as certezas, a dúvida e a pesquisa como motores da escrita, isso eu devo ao Assis. E devo a ele e à oficina essa qualidade de afeto que preza a amizade, a literatura, a capacidade de rir e o silêncio reflexivo. Coisa de ouro.
Daniel Galera:
Cursar a oficina do Assis Brasil incrementou minha segurança e minha autocrítica para escrever no começo da carreira. A oficina oferece uma combinação perfeita de lições técnicas e debate constante em cima da produção de contos dos alunos. Isso ajuda os autores a perseguirem seu próprio estilo, sem necessariamente transmitir um modelo de escrita como o único correto à disposição. Saí da oficina um escritor mais preparado, e a partir daquela base persegui minhas ideias e meu estilo ao longo dos anos. O fato do Assis ser uma figura muito afetuosa, generosa e incentivadora também tem um papel importante na marca positiva que ele deixa em muitos de seus alunos que depois seguem carreira como escritores.
Leticia Wierzchowski:
A oficina do Assis foi importante na minha vida como um todo... Lá, tive contato com outras pessoas (várias idades, histórias de vida e profissões) que gostavam de escrever. Isso foi um alívio para mim, e com o Assis capitaneando tudo! Aprendi com ele a olhar a escritura pelo seu avesso, pensar nela, nos caminhos e eleições possíveis. Foi muito bom pra mim, foi meu papel de aluna mais feliz.
Paulo Scott:
Aprendi que é preciso boa dose de generosidade e dedicação sincera à produção literária contemporânea para que se possa ter a pretensão de um dia ser escritor. Convivendo com esse escritor, que, ao lado do Noll e do Verissimo, é um dos três escritores gaúchos mais relevantes em atividade hoje, compreendi melhor o que é ser um escritor, escritor de verdade, no Brasil do século 21. Penso que a oficina foi uma etapa decisiva para que eu abandonasse de vez as fantasias acerca da vida literária e firmasse, de vez, meus pés (e também meu coração) naquilo que eu mais queria: uma vida dedicada à leitura e à escrita, sobretudo à leitura que se empreende com olhar de escritor, e, sendo leitura e revelação, é mais importante que tudo.
Luisa Geisler:
A oficina do Assis Brasil foi importante por me descortinar o leitor. Existe um exercício em aula em que os colegas leem e analisam um texto, enquanto o autor apenas pode assistir à discussão. É impressionante como poucas coisas podem gerar mal-entendidos e múltiplas interpretações. Claro que é importante aprender técnica, teoria de criação de personagem, teorias do diálogo, e tudo gerou um crescimento conjunto necessário. Mas ninguém é obrigado a 1) ler teu texto; 2) gostar do teu texto e 3) entender o teu texto ou ler o teu "manual de instruções de como entender o que escrevi". O texto deve falar por si só para o leitor (inclusive respeitando sua inteligência). A minha carreira (?) literária (???) não teria existido sem essa consciência.
Michel Laub:
Ele foi a pessoa que mais me ajudou no início da carreira. A oficina me tornou um leitor melhor, no mínimo, e portanto um escritor melhor - considerando que escrever é ler o próprio trabalho o tempo todo, julgando o que presta e o que deve ser jogado fora