O espetáculo Crime Woyzeck, que estreia nesta sexta-feira no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, deve encerrar uma fase do diretor Luciano Alabarse marcada por textos de autores contemporâneos de alta voltagem política. Foi assim nas peças Marxismo, Ideologia e Rocknroll (2013), de Tom Stoppard (leia reportagem e crítica), e A Vertigem dos Animais Antes do Abate (2014), de Dimítris Dimitriádis (leia reportagem e crítica).
Desta vez, Alabarse inova ao mesclar, em um mesmo espetáculo, duas peças separadas no tempo e no espaço: Crime, do dramaturgo dinamarquês contemporâneo Peter Asmussen, e Woyzeck, clássico do século 19 do escritor alemão Georg Büchner (1813 - 1837). Enquanto a primeira é composta por cenas sem aparente relação uma com a outra, a segunda foi escrita em fragmentos, os quais Büchner sequer numerou - a organização ficou a cargo de estudiosos, uma vez que o autor morreu aos 23 anos, antes de terminá-la. Na montagem de Alabarse, o público terá um desafio a mais: as cenas das duas peças foram misturadas, e algumas falas de uma foram inseridas na outra, como forma de sugerir uma aproximação. Já o prólogo foi retirado de outra peça de Büchner, A Morte de Danton.
Assista a trecho de ensaio da peça e a depoimento do diretor:
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O soldado Woyzeck (interpretado por Gustavo Susin e Pingo Alabarce), personagem do texto homônimo, é considerado o primeiro protagonista plebeu do teatro alemão, antes usualmente povoado por nobres. Ouve vozes misteriosas e trabalha como barbeiro, alimentando-se só de ervilhas. Sua vida já miserável entra em uma espiral de desventuras quando suspeita que está sendo traído por Maria (vivida por Gabriela Poester).
Já Crime, o outro texto que integra o espetáculo, traz quatro cenas aparentemente independentes entre si: em uma delas, três homens são interrogados por um casal sobre um caso de violência que praticaram; em outra, o mesmo casal interroga um homem sobre sua experiência de guerra; e outras duas cenas mostram a relação do casal.
- O teatro é uma arma quente, um instrumento poderosíssimo de ideias desde sua origem. Acho que falamos conforme a necessidade que sentimos. Este espetáculo começou a ser trabalhado no ano passado, no auge dos embates políticos das eleições presidenciais. Fiquei absolutamente frustrado com o nível do confronto - explica Alabarse.
Gustavo Susin, um dos atores que interpretam Woyzeck, identifica uma característica universal no personagem:
- Em algum momento, Woyzeck pode aparecer em qualquer pessoa. Já me questionei por que tenho de aceitar ordens da vida sem poder me rebelar.
Pingo Alabarce, o outro Woyzeck em cena, completa:
- O personagem tem, de certa forma, uma esperança que vejo na sociedade como um todo. Por mais horrível que seja a sua situação, você pode ter um lampejo, uma saída.
A trilha sonora inclui canções de Tom Waits compostas para uma versão de Woyzeck do diretor americano Robert Wilson, estreada em 2000 (e reunidas no disco Blood Money), e canções de Nick Cave (em parceria com Warren Ellis) para uma versão da peça montada pelo diretor islandês Gisli Orn Gardarsson em 2005. Também aparecem em Crime Woyzeck canções tradicionais alemãs gravadas por atores que trabalharam com Heiner Müller.
Alabarse, o diretor, adianta que pretende encenar, em 2016, outra combinação de duas peças, as quais ainda não revela. Diz apenas que uma delas será uma tragédia grega, e a outra, um texto contemporâneo que faz referência a esta tragédia.
Conheça os autores:
GEORG BÜCHNER (1813 - 1837)
Considerado precursor do teatro pós-moderno pela linguagem fragmentada de Woyzeck, sua peça mais conhecida (estreada em 1913), o dramaturgo e escritor alemão é um dos grandes do teatro universal. Antecipou procedimentos estruturais que seriam verificados no teatro épico de Bertolt Brecht, para quem Woyzeck pertence à categoria de textos que não são incompletos, mas criados na forma de esboço. Integram a reduzida obra de Büchner as peças A Morte de Danton e Leonce e Lena e a novela Lenz, além de um panfleto revolucionário de 1834 que já expunha as contradições sociais registradas depois no Manifesto Comunista, de Marx e Engels.
PETER ASMUSSEN (1957)
Dramaturgo e roteirista que vive na Dinamarca, teve sua obra traduzida em países como França, Itália, Grã-Bretanha e Portugal, onde foi publicado o livro Crime e Outra Peças (selos Artistas Unidos/Cotovia). Sua obra permanecia até agora inédita nos palcos brasileiros. Asmussen evita conceder entrevistas para explicar sua obra, argumentando que não pretende transmitir, por meio dela, qualquer filosofia. Entre suas peças mais encenadas, está Sangue Jovem, que ganhou uma versão uruguaia em 2014. Foi coautor do roteiro do filme Ondas do Destino (1996), do conterrâneo Lars von Trier. Crime estreou em 2002 no Teatro Real da Dinamarca.
CRIME WOYZECK
Estreia nesta sexta-feira (12/6). Em cartaz de quinta-feira a sábado, às 21h, e domingo, às 18h. Temporada até 21 de junho. Duração: 120 minutos.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 30 (galerias), R$ 40 (camarote lateral), R$ 50 (camarote central) e R$ 60 (plateia e cadeira extra). Desconto de 50% para sócio e acompanhante do Clube do Assinante e para idosos e estudantes. À venda na bilheteria do teatro de segunda a sexta, das 13h até o início dos espetáculos (e das 13h às 18h30min quando não há espetáculos), e sábado e domingo, das 15h até o início dos espetáculos.
Clássico e contemporâneo
"Crime Woyzeck", de Luciano Alabarse, combina dois textos teatrais separados no tempo
Espetáculo estreia nesta sexta no Theatro São Pedro, em Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
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