Contando o álbum de estreia do Almôndegas, em 2015 eles completam 40 anos de carreira discográfica. Com esse tempo de estrada, a grande maioria dos artistas de sucesso já trafega no vácuo do que fez, evitando trabalhos que possam ocasionar esforço extra. A produção do álbum duplo Com Todas as Letras prova que Kleiton & Kledir estão fora dessa maioria e amadureceram bem. É o disco mais impactante desde os dois primeiros da dupla, lançados em 1980 e 81. Já o CD infantil Par ou Ímpar, de 2011, e o show respectivo ao lado do grupo Tholl, mostraram K&K revigorados, depois dos três trabalhos, digamos, normais, na volta após o tempo em que estiveram separados, de 1987 a 1996. Para realizar o projeto de parcerias com escritores, precisaram encarar o desconhecido, pela primeira vez compor com gente estranha ao seu cotidiano criativo.
E deu muito certo. No bem feito e bem-humorado DVD (dirigido por Gustavo Fogaça) que registra o processo de criação do CD, os escritores se revelam fãs deles e dizem ter se sentido motivados pelo desafio. Tudo começou nos anos 1970, uma parceria com Caio Fernando Abreu (a quem é dedicado o álbum) que nunca se materializara. Até agora. A partir dela, os manos encomendaram ao profe e crítico literário Luís Augusto Fischer a escolha dos escritores-parceiros. Ele sugeriu nomes de gerações, estilos e temperamentos diferentes. Cláudia Tajes, Luis Fernando Verissimo, Letícia Wierzchowski, Daniel Galera, Martha Medeiros, Alcy Cheuiche, Fabrício Carpinejar, Lourenço Cazarré e Paulo Scott. O resultado é uma novidade real na música brasileira, trazendo K&K de volta ao centro das discussões.
Eles criaram uma estrutura que particulariza cada música (pois são 10 letras com temas bem diferentes), e ainda assim a personalidade sonora da dupla está preservada. A faixa de abertura, Lixo e Purpurina, com a voz de Adriana Calcanhotto, é a de Caio, sobre as viagens dos anos 1970. Lado a Lado, de Cheuiche, fala com ternura de duas meninas que se amam. Cazarré lembra a Pelotas da infância em Mistérios do Bule Monstro. Em Felizes para Sempre, Claudia descreve uma relação de uma noite. Já Martha decreta um desenlace em Pingos nos Is, a canção mais pop de um disco pop. Enfim, uma boa surpresa atrás de outra. Verissimo também faz um solo jazzístico de sax, Galera também toca guitarra, Scott declama. O produtor e músico Christian Oyens fez sua parte com muita competência. Para a lista dos melhores do ano.
COM TODAS AS LETRAS
De Kleiton & Kledir
CD e DVD, Pandorga/Biscoito Fino, R$ 36,90. Disponível também no iTunes e no Spotify.
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Trajetória errante
"O meu nome é Julio Reny. Músico, compositor, cantor, ator, outsider, radialista, pai e, nos atribulados anos da juventude, goleiro, brigadiano mirim, ladrão de discos e brigador de rua. As histórias, contudo, melhor detalham minha errante trajetória. E histórias eu tenho de sobra pra contar. Histórias de amor e morte, aventuras e infortúnios, tropeços e reviravoltas. Repartindo sucessos com temporadas ora de criação, ora de ardente sofreguidão, senti o sabor genuíno de fracassos e epifanias. Vivi noites no paraíso e certas tardes no inferno."
Assim começa o livro Histórias de Amor & Morte, a (auto)biografia de Julio Reny escrita pelo jornalista Cristiano Bastos e que tem lançamento previsto para o dia 14 de julho pela editora Artes & Ofícios, com show de Julio e os Irish Boys no Teatro do Sesc. À esquerda, em primeira mão, a capa.
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LANÇAMENTOS
NÁ E ZÉ
De Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik
Há exatos 30 anos, Ná Ozzetti cantou uma música de Wisnik no casamento dele. Essa canção com ar de hino, Louvar, fecha o álbum em que eles comemoram as três décadas de parceria. Selecionaram um repertório que atravessa esse tempo, com oito músicas inéditas em disco, umas já gravadas por ela ou ele e duas ou três por outros. É um trabalho poderoso, que se poderia definir como de música popular de câmara, ou música popular de concerto. Usando diversas formações (duo, trio, quarteto, quinteto, sexteto, orquestra), mesclando sonoridades acústicas e eletrônicas, passa, por exemplo, da suavidade erudita de Sim, Sei Bem, para a pressão roqueira de Alegre Cigarra. O ótimo piano de Zé tem a seu lado músicos do calibre de Kastrup, Sérgio Reze, Márcio Arantes, Léa Freire e Swami Jr., entre outros. E grandes poetas, de Pessoa a Leminski. Participação de Arnaldo Antunes. Circus, R$ 30
SAMBA NOIR
De Coletivo Samba Noir
O disco que reúne a cantora Katia B, o violonista Luís Filipe de Lima, o percussionista Marcos Suzano e o multi-instrumentista Guilherme Gê, todos cariocas, é o que se pode classificar como um achado! Eles mergulham no repertório clássico do samba-canção de fossa, basicamente dos anos 1940 e 50, e emergem com esse gênero a que chamam de samba noir. Seria um primo da bossa, só que muuuito mais cool. Enquanto o violão sete cordas fica numa área mais tradicional, as programações eletrônicas encaminham os arranjos para campos inexplorados e a linda voz de Katia, em emissão mínima, assina a novidade. Canções como Chove Lá Fora, Ninguém me Ama, Tão Só, Aves Daninhas, Risque, Pra Que Mentir e Volta perdem o espírito original arrebatado e contrastante, mas não perdem a intensidade. Muito bom de ouvir. Participações de Arto Lindsay, Carlos Malta, Gismonti e Jards Macalé. Sambatown/Tratore, R$ 30
CORAÇÃO SOL
De Dudu Sperb
Nos bons anos de sua trajetória em Porto Alegre, Dudu tem valorizado o ofício do cantor-cantor em um leque de shows temáticos que já se abriu para Noel Rosa, Adoniran, Cole Porter, tangos, Elis, canções sobre futebol e, entre outros, o Caetano Veloso que motiva este segundo CD _ o primeiro, Arrabalero, é de 2008. Gravado ao vivo no Theatro São Pedro, com "apenas" Vagner Cunha no violino e Luiz Mauro Filho no piano, o álbum expõe visões bem pessoais da obra do baiano, em especial dos anos 1970, como Alguém Cantando, Eu Te Amo, Ca-Já, O Leãozinho, Gente, tratadas com leveza pela voz muito afinada. A Voz Amada, tema do filme O Quatrilho, mescla-se à também regional Cajuína. Entre as demais, Dudu traz duas que Caê deu para outros gravarem primeiro: Menino Deus (lançada pel'A Cor do Som) e Mãe (por Gal). À venda na Palavraria, encomendas pelo sperbprod@gmail.com , R$ 25