Philip Glass é o compositor da geração pós-1950 que mais tem feito óperas - até agora são 25. Quanto às trilhas sonoras, nem dá para contar: cinema brasileiro (Nosso Lar), filmes de Woody Allen (O Sonho de Cassandra), trilhas clássicas (As Horas, Koyaanisqatsi). Mas, para o ouvinte comum, tu e eu, Glass é o compositor das repetições infinitas, da música que há que ter muita paciência para ouvir. Um compositor de quem se corre como se fugisse o diabo da cruz.
E, de repente, Philip Glass lança uma autobiografia de 400 páginas, Words without Music, ainda não lançada em português, mas que deveria sê-lo - e logo, pois a coisa é urgente. Não tenho dúvidas: estou quase no final e nunca li um livro tão revelador sobre o processo criativo em música, sobre o percurso de uma vida que tem de tudo e fala de tudo. Mais: um livro que desvenda como a música de Philip Glass veio a ser como é.
Quase chegando aos 80 anos, é uma boa hora. Hora de recolher os guardados, rememorar as memórias antes que se vão, dialogar com o leitor num texto que faz parar a cada página para rir, pensar, buscar o marcador para assinalar o texto, meditar um pouquinho sobre o que se leu. A escrita é afetuosa; as histórias são inesquecíveis.
Philip Glass já esteve no Brasil umas quantas vezes e, em Porto Alegre, umas tantas. Numa dessas, ouvi perguntarem a ele: "Você é minimalista?". E ele: "Nunca fui". No livro, a primeira menção à palavra "minimalista" vem na página 87 e depois pouco reaparece. Há mais para contar do que ficar nessas minúcias. O próprio título Palavras sem Música é irônico para um compositor de óperas, onde palavras só existem com música.
O livro de Glass é, então, com perdão da síntese, a ópera de uma vida. Tivesse menos do que 400 páginas, e se leria numa sentada. Mas melhor ler com cuidado, saboreando frase a frase. O resultado? Sai-se da autobiografia com outra disposição para ouvir a música. Pois, como mágica, Glass é Verdi, é Bach, é Beethoven. Sem tirar nem pôr.