Conforme relato de Aparício Silva Rillo, em texto escrito em 1985, o Festival da Barranca, contrariando os racionalistas, nasceu por acaso. Contudo, se o nascimento foi regido pela casualidade, podemos afirmar que a sua longevidade e a sua permanência podem ser compreendidas pelo esforço de alguns e pela necessidade de muitos. A Barranca é um fenômeno voluntário, intencional, que trabalha para que não haja dispersão. Lá se canta para reunir.
O alimento que se busca é algo que está instalado no etéreo, no imaterial, no que levou o nosso Sérgio Jacaré Metz a cunhar a epígrafe Comício de Espíritos. A urgência do nosso mundo diminui nossa disponibilidade para conviver. Hoje as relações estão virtualizadas. Reconheço o outro, mas ele não está. E, mesmo que os diálogos se efetivem, essa não presença de alguma forma explicita também um não diálogo.
Ausentes as sensações do gesto, do olhar e da respiração, as conversas e os encontros realizam-se dentro de uma redoma em que não estamos completos porque não completamos e nem podemos ser completados. E é por isso que, a cada Semana Santa, lá nos encontramos. Por redundante que possa parecer, encontramo-nos simplesmente para celebrar o encontro. Esse é o nosso alimento. Não importa o frio, a chuva, o barro, o calor ou a poeira. Importa é que estamos e, como faziam os primeiros habitantes daquelas plagas missioneiras, na roda grande ao redor do fogo deslateralizamos as relações.
Passamos a vida mergulhados em águas profundas, e vamos anualmente para aquela barranca de rio, em São Borja, para recarregar nossos tubos de oxigênio. A autonomia dessas cargas dura apenas até a próxima Semana Santa, portanto, esta é a nossa condição: se não vamos, morremos um pouco, morremos um tanto por absoluta falta de ar, de sonho, de música e de uma irremediável saudade do mato, do rio, dos amigos e da nossa, talvez, única e melhor possibilidade. Seguimos nessa cíclica jornada lembrando os que já se foram, celebrando com quem está e esperando quem vai chegar: pra ser eterna a Barranca, só pode ser breve a vida!