Mary Teresinha tem um sorriso no rosto.
É uma mulher otimista, que gosta de ver as coisas pelo lado positivo. Está feliz, responde, quando questionada sobre seu momento pessoal. O profissional podia estar melhor, ela deixa escapar, devido à frustração por não aguentar mais os 18 quilos do acordeom, o "companheiro de uma vida".
Mary completará 69 anos neste dia 30 de março. A lombar e a cervical têm cobrado a conta das décadas carregando o peso do instrumento. São três hérnias de disco, combatidas com injeções diárias de esteroides e sessões regulares de fisioterapia, cujo resultado, às vezes, lhe permite sonhar em voltar a tocar. Por enquanto, no palco, ela apela ao playback.
Mas canta. Domingo passado, apresentou-se para algumas dezenas de pessoas, a maioria fiéis da Igreja do Evangelho Quadrangular, na quadra de esportes da Escola de Ensino Fundamental Carmen Laviaguerre, em Santa Rita, distrito de Guaíba, Região Metropolitana de Porto Alegre. Na semana anterior, havia estado na serra gaúcha. Tem sido assim nos últimos anos: acompanhada da secretária que faz as vezes de enfermeira, leva seu repertório gospel a plateias variadas, em eventos ligados a congregações evangélicas.
Veja vídeo com trechos da entrevista:
- Essa acústica de ginásio não é das melhores - ela comenta, ao chegar e examinar o palco que a receberia, ainda no início daquela tarde abafada. - Mas faz parte. Não gosto de me ater aos problemas. Tudo tem um lado ruim, mas também tem um bom.
Convertida há 18 anos pela pastora Nelci Azambuja, organizadora do show de domingo, ela já gravou seis CDs monotemáticos - de louvor à figura de Jesus Cristo. É deles que pinça as músicas de suas apresentações. Até que, como ocorreu nesta semana, alguém levanta a mão com uma foto ou a capa de um LP dos tempos em que cidades inteiras paravam para vê-la apresentar-se junto ao parceiro Teixeirinha. Às vezes, sua resposta é satisfazer a vontade do público cantando uma canção antiga. Nem sempre, no entanto, a voz aguenta algum improviso a capela - e ela precisa seguir à risca o que está no pen drive que entregou para o técnico da mesa de som.
Entre as músicas, conta histórias. Fala de suas experiências pessoais, sobretudo, invariavelmente fazendo ecoar mensagens de exaltação da paz que só a religiosidade pode proporcionar. Os discursos dos pastores sempre são intercalados com os números musicais nos eventos da Igreja Quadrangular. Entre outros, quem se apresentou em Guaíba no domingo, antes de Mary, foi a dupla fandangueira Antônio de Souza & Elisa Mara, ele ao violão, ela à gaita.
- Esses dois lembram Mary e Teixeirinha - comenta um casal, ao levantar da plateia e ir à copa improvisada buscar um pastel e uma salada de frutas.
Sim, eles lembram. E, sim, Teixeirinha & Mary Teresinha seguem muito presentes na memória dos admiradores da música regionalista, mesmo entre as gerações mais jovens, que não acompanharam sua carreira no auge, durante a década de 1970.
A voz de Mary, tão pouco explorada naqueles anos de parceria, está em plena forma. Quando canta, parece expiar as dores que acumulou em décadas de decepções, amorosas e profissionais. Não é por acaso que, ao ser questionada sobre a impossibilidade de empunhar a gaita, afirma, altiva:
- Eu tenho a minha voz.
É uma espécie de libertação. Ou, no mínimo, o tal lado bom neste contexto de afastamento compulsório de seu mais fiel companheiro.
Mary ontem e hoje
Mary Teresinha Cabral Brum nasceu em 1946, em Tupanciretã. Começou a carreira de acordeonista em Bagé, para onde se mudou ainda criança. Logo ficou conhecida como exímia intérprete das músicas de Teixeirinha.
Em 1963, em passagem pela região, o cantor entrou em atrito com seu gaiteiro e recorreu à Mary para substituí-lo. Foi o início de uma parceria que durou mais de 20 anos. Eles tiveram dois filhos juntos. Ao longo de todo o tempo, Teixeirinha se manteve casado com Zoraida Teixeira.
Em 1984, Mary rompeu com o parceiro, em separação rumorosa relatada minuciosamente pela imprensa e que mobilizou os fãs da dupla. Em 1985, ela se casou com o mentalista Ivan Trilha, de quem se separaria em 1989. Em 1991, em tom de desabafo, lançou a autobiografia A Gaita Nua (Ed. Rígel).
Ainda nos anos 1990, travou uma batalha judicial com os familiares de Teixeirinha que controlam os direitos autorais de suas canções, entre eles os filhos de Zoraida e da companheira anterior, Maria Ezi. Queria ser reconhecida como coautora das músicas, mas não obteve sucesso. Converteu-se à Igreja do Evangelho Quadrangular em 1997.