A história de Foxcatcher não chocou o mundo, como indica, pretensiosamente, o subtítulo brasileiro do filme de Bennett Miller que estreia nesta quinta-feira no circuito. Mas isso é bom: se você nunca ouviu falar dos acontecimentos narrados no longa, vai descobri-los com uma boa dose de suspense, sem saber exatamente qual a tragédia que porá fim à relação entre o campeão olímpico de luta greco-romana Mark Schultz (Channing Tatum), seu irmão Dave (Mark Ruffalo), que o treina e também é medalhista em Olimpíadas, e o excêntrico milionário que os apadrinha, John du Pont (interpretado por um surpreendente Steve Carell).
É a ótima direção de Miller (de Capote e Moneyball), premiado no Festival de Cannes e indicado ao Oscar, que permite uma visão aprofundada da doentia conexão que se estabelece entre o trio - e que ainda envolve, indiretamente, a mãe de Du Pont (Vanessa Redgrave). Tudo aconteceu nos anos 1980 e 90, quando o endinheirado herdeiro, que até então se distraía apenas observando pássaros, ficou obcecado por esse esporte e construiu um centro de treinamento em uma de suas fazendas, na Pensilvânia.
Du Pont desenvolve obsessão pelo esporte e também, e sobretudo, por Mark. Inicialmente, é o jovem lutador o protagonista de Foxcatcher. Mas só até a entrada em cena do personagem de Carell. O retrato do milionário entediado que desconhece limites é cruel, embora nunca seja simplista, o que o conduz naturalmente ao centro das atenções do espectador. Nem as armadilhas que se apresentam com a proximidade da figura materna, que poderiam levar a um psicologismo barato, fazem o filme descambar: Miller consegue estabelecer relações de causa e consequência de maneira inteligente, respeitando o tempo de absorção das informações sem subestimar o público.
É justa sua indicação ao Oscar de melhor diretor (o longa também concorre a roteiro original, maquiagem, ator, com Carell, e ator coadjuvante, com Ruffalo). Injustificável é sua ausência entre os oito concorrentes a melhor filme - ou seria coerente não listar, entre os oito, o longa de um dos cinco melhores realizadores do ano?
Steve Carell muito além da comédia
Seu Michael Scott da série The Office é um dos maiores personagens da história das comédias na televisão. Mas tachar Steve Carell de comediante é muito restritivo, dada sua ampla capacidade de variar registros e os próprios tipos que encarna.
O Virgem de 40 Anos (2005) e Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (2007) já o levaram a incorporar características dramáticas. É com Foxcatcher, no entanto, que ele dá um passo mais largo em direção ao reconhecimento como ator de outros gêneros.
Sem a ternura que emana de todos os tipos citados, seu John du Pont é um sujeito amedrontador em sua perturbação. Carell usa a seu favor o jeito silencioso de Du Pont. E também a maquiagem pesada que limita seus movimentos: diferentemente, por exemplo, de Leonardo DiCaprio em J. Edgar (2011), o peso assentado sobre a pele ajuda a moldar a persona serena - e sinistra - do personagem que ele interpreta.
Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo
De Bennett Miller. Com Steve Carell, Chaning Tatum, Mark Ruffalo, Vanessa Redgrave e Sienna Müller.
Drama, EUA, 2014, 135 minutos, 14 anos.
Estreia nesta quinta-feira no circuito de cinemas.
Cotação: muito bom.