Oximoro é uma figura de linguagem formada a partir da junção radical de dois elementos discrepantes, unidos em aparente absurdo, como naquele verso em que Camões definiu o amor como um "contentamento descontente". Alguns oximoros acabaram datados, o "sol negro", por exemplo, buscado pelos alquimistas. Outros seguem efetivos, são percepções humanas que escapam à lógica da linguagem, a "lúcida loucura", que sabemos possível, quando não desejável. E há ainda os oximoros escondidos em nosso dia a dia, aceitos já sem espanto, com a naturalidade das metáforas mortas, como "poço de luz".
Sempre me encantou o aspecto barroco do termo, luz e sombra amalgamadas. Alguns dirão que não há contradição, pois poço teria aqui o sentido de abertura para a luz entrar. Discordo. Primeiro porque poço é escuro como imagem (pense num poço, pense no que veria ao olhar para dentro dele). Depois há essa força excelsa que a palavra luz carrega. Do choque, brota uma inegável poesia que a feiura do real apaga em tantos edifícios.
A verdade é que quase nunca há luz no fosso de luz. Paredes ocres, pequenas janelas, a umidade que se faz verde, as falhas deixadas pelos aparelhos de ar, a penumbra que se adensa em direção ao chão. Mas há luz. Uma outra forma de luz: os gestos humanos que o poço amplifica, uma luz invisível feita de cheiros e sons, feita oximoro.
Pessoas batem e apanham dentro do poço de luz. Pessoas fritam pastéis à meia-noite no poço de luz. Pessoas se tornam diminutivos no poço de luz. Pessoas queimam cigarros exóticos no poço de luz. Pessoas chegam ao orgasmo no poço de luz (cada qual a sua maneira, como cada um de nós terá um jeito particular de espirrar). Pessoas cantam sucessos ultrapassados no poço de luz. Pessoas ligam para seus doentes no poço de luz. Pessoas usam perfumes almiscarados no poço de luz. Pessoas também ficam em silêncio no poço de luz. Que então se faz mais denso e mais poço. Até que irrompa um choro de bebê, pequeno lampejo de esperança.
Como toda esperança humana, uma esperança escura.