Ficou claro, pelo menos desde que ganhou o Oscar por "Capote", em 2006, que Philip Seymour Hoffman era um ator para lá de gabaritado. Na verdade, foi muito antes disso, dependendo de quando e quem começou a notá-lo.
Talvez tenha sido quando ele e John C. Reilly incendiaram o palco do Circle in the Square, em 2000, no remake de "True West", de Sam Shepard; ou quem sabe antes até, na comovente cena do telefone em "Magnolia"; nas cenas perturbadoras de "Felicidade"; no autodesprezo deprimente de "Boogie Nights - Prazer Sem Limites" ou no esnobismo de "O Talentoso Ripley", que acabaram chamando a atenção para sua combinação especial de talento, disciplina e coragem.
Não é difícil encontrar outros exemplos; afinal, Hoffman trabalhou muito nos últimos quinze anos - em independentes ambiciosos, superproduções de Hollywood e produções teatrais dentro e fora da Broadway - quase sempre com resultados inesquecíveis. (Se você se lembra da comédia romântica de 2004, "Quero Ficar com Polly", por exemplo, é bem provável que seja a falta de jeito total de Hoffman para o basquete e o conselho duvidoso que ele dá a Ben Stiller.)
Seus papéis dramáticos em filmes médios ("Capote", "A Última Noite", "Dúvida", "Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto", "A Família Savage" e "Sinédoque, Nova York", para restringir a lista a meia dúzia, por enquanto) se destacaram pela disposição que ele mostrou de se aprofundar na essência de personagens problemáticos, detestáveis até. Como o amigo pesadão e esquisito ou o colega instável em um filme comercial, ele conseguia não só ser engraçado como propiciar aquele prazer específico de se descobrir um ator que leva a arte a sério, qualquer que seja o projeto. Pode ter se especializado na infelicidade, mas o público sempre ficava feliz em vê-lo.
O dom de Hoffman foi amplamente reconhecido enquanto ele estava vivo -, mas foi o choque de sua morte recente que revelou, muito cedo e, ao mesmo tempo, muito tarde, a enormidade de seu talento e a solidez de suas conquistas. Não foi só um bom ator que perdemos, mas talvez o melhor que tínhamos. Ele tinha apenas 46 anos e sua morte, causada por uma aparente overdose, encerrou uma carreira que já era monumental.
A nós será negado seu Lear, seu Próspero, seu James Tyrone em outra "Long Day's Journey Into Night" (Ele foi Jamie filho na produção de 2003 da peça), embora, nos últimos anos, ele já tivesse começado a fazer a transição de adultos problemáticos para patriarcas trágicos. Seu Willy Loman no remake de 2012 de "A Morte do Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, na Broadway, foi uma representação operística e ácida da vaidade, desilusão e pura carência emocional, transmitida com força e delicadeza suficientes para transmitir a mensagem da peça e superar seu sentimentalismo.
O que ele fez em "O Mestre", seu quinto filme com o roteirista/diretor Paul Thomas Anderson, foi ainda mais grandioso. O mundo pode demorar um pouco a se familiarizar com a exploração das áreas mais obscuras do caráter norte-americano, mas quando isso acontecer, vai descobrir em Lancaster Dodd o arquétipo do idealismo corrupto, do zelo empreendedor e do discernimento espiritual autêntico.
E não é só isso: vai descobrir também, como o próprio personagem gosta de dizer, com uma modéstia ostensiva, um homem. Dodd é feito de carne e osso, apetite e imaginação, uma criatura que representa perfeitamente seu lugar e seu tempo. A dicção de Hoffman, sua agilidade física, suas demonstrações de jovialidade rotariana e intelectualismo sincero definem Dodd como um norte-americano pós-guerra exemplar (se não excêntrico), expressão do mesmo fermento cultural curioso que produziu Willy Loman.
De cara, Dodd nos convida a julgar - ele faz coisas terríveis em nome de fins questionáveis - mesmo enquanto Hoffman nos obriga a admirá-lo. Parece que seu objetivo não era só a verdade psicológica que há muito é o critério básico da atuação pós-Método, mas uma incerteza moral que continua sendo estarrecedora demais para que lidemos com ela, seja na arte ou na vida.
E não é só uma questão de buscar as "áreas cinza" ou mapear ambiguidades; o personagem de Hoffman existe, com muito mais frequência do que se imagina, em um tormento ético e existencial, preso em uma luta onde orgulho e consciência se degladiam com instintos básico e nem um pouco belos.
Lancaster Dodd sacrifica a inteligência no altar de seu ego; Truman Capote põe em risco sua integridade e trai os amigos para alcançar suas ambições literárias, seus motivos uma combinação explosiva de compaixão e curiosidade mórbida. O professor de "A Última Noite" e o predador solitário de "Felicidade" são inesquecivelmente repugnantes. O acadêmico frustrado de "A Família Savage" é apenas um misantropo, apesar de esplendidamente representado, e o artista mal-humorado de "Sinédoque, Nova York" pode ser somente (se não barrocamente) um frustrado. O padre de "Dúvida" e o criminoso em potencial de "Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto" são muito piores.
Eles não são anti-heróis de TV a cabo no sentido "bad boy carismático" do termo; são, em muitos casos (e há muitos mais, desde "O Talentoso Ripley" e até "Perfume de Mulher", de 1992), pessoas realmente medonhas: patéticas, repulsivas, que não merecem nem um pingo de compaixão. Hoffman os livrou do desprezo justamente por se recusar a redimi-los de maneira fácil e óbvia.
Ele não estava nem aí para saber se gostávamos de algumas dessas criaturas tristes; seu objetivo era nos fazer acreditar neles e reconhecer ali - através de si, Hoffman - uma verdade sobre nós mesmos que talvez preferíssemos evitar. Ele tinha a habilidade rara de iluminar as várias facetas da feiura humana. E ninguém o fez de uma forma tão bela.