Depois de quatro longas dramáticos, Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio se uniram em uma comédia que transforma o universo da especulação financeira numa espécie de Velho Oeste, com códigos de ética típicos de um vale-tudo no qual a única coisa em jogo é a imposição individual. O Lobo de Wall Street já está sendo exibido nos cinemas brasileiros, em sessões diárias de pré-estreia.
O filme é uma adaptação da autobiografia de Jordan Belfort, sujeito bonachão de quem não se deveria comprar um par de meias, mas cujo discurso sedutor era capaz de conduzir investidores às maiores furadas em que já se meteram. Filho de contadores pobres do Bronx, ele viveu o sonho de Wall Street nos anos 1980 e 90, quando construiu um império a partir da especulação. Suas palestras épicas atraíam jovens corretores, que ele recrutava alimentando o sonho do enriquecimento a partir da venda de ações e títulos na bolsa.
Até que, num golpe de mestre (do crime do colarinho branco), a abertura de capital de uma empresa de calçados, ele acumulou uma fortuna em poucas horas e passou a ser investigado pela polícia. Ganhou as manchetes dos jornais, acabou condenado a quatro anos de prisão e, após cumprir 22 meses, saiu a dar palestras fascinando plateias de vendedores ávidos por descobrir segredos sobre como conduzir um negócio.
Prato cheio para um conto moral sobre a queda decorrente da ambição, sua história ganha, no olhar de Scorsese (e do roteirista Terence Winter, de The Sopranos), uma glamourização aparentemente desmedida, mas cujo efeito no espectador é dos mais estimulantes. É o fascínio provocado pelos seus excessos que interessa ao diretor. Pode ser de uma forma dissimulada, mas a sociedade o cultua, como fica claro nas sequências finais. É diferente da simpatia por Bonnie & Clyde (1967), porém, o contexto social que o envolve é tão interessante quanto o dos EUA pós-Grande Depressão.
A despeito desses excessos (as festas seguem o padrão ostentação, com muitas drogas e prostitutas, e, no escritório, os corretores são motivados com atividades como arremesso de anões), DiCaprio tem atuação segura, sob certo aspecto, inclusive, contida. Se o ator, que no domingo ganhou o Globo de Ouro pelo papel, é o novo De Niro de Scorsese, Jonah Hill é uma espécie de novo Joe Pesci: no papel de principal parceiro cooptado pelo protagonista, ele é a figura simpática e engraçada que o circunda - e que vai se conformar em ser o segundo na hierarquia de poder estabelecida.
Até nisso a estrutura de O Lobo de Wall Street lembra Cassino (1995), filme sobre a ascensão e queda (e a sujeira dos negócios) dos donos das casas de jogos de Las Vegas. A Sharon Stone da vez é Margot Robbie, bela atriz australiana de 23 anos que interpreta a mulher com quem o "Lobo" se casa.
São três horas de projeção, talvez um incômodo pelo aspecto aparentemente amoral da história, mas muita diversão e uma crítica implícita à exaltação materialista do homem. E um bônus: a mais bem filmada sequência nonsense de consumo de drogas em muitos anos. O Lobo de Wall Street não vai ganhar o Oscar de melhor filme, mas a sessão vale a pena, e muito.
Outros filmes de Scorsese e DiCaprio
Gangues de Nova York (2002): ainda que ofuscado pela presença de Daniel Day-Lewis, o ator inaugurou sua parceria com o diretor em bom nível neste épico de vingança e violência sobre a formação da cidade de Nova York.
O Aviador (2004): dois anos após Gangues de Nova York e Prenda-me se For Capaz (de Spielberg, também de 2002), o ator começou a tocar O Aviador com o diretor Michael Mann. Foi, entre outros motivos, por apostar em Dicaprio que Scorsese aceitou substituir Mann (realizador de Fogo Contra Fogo, de 1995).
Os Infiltrados (2006): mais lucrativo e premiado filme da parceria, é talvez o mais destacado longa da onda de títulos sobre policiais infiltrados (e criminosos infiltrados, ou os dois ao mesmo tempo, como é o caso aqui) em voga em Hollywood.
Ilha do Medo (2010): suspense adaptado da obra de Dennis Lehane, talvez seja o mais arriscado dos cinco filmes dirigidos por Scorsese e estrelados por DiCaprio. Até por isso, tem quem não tenha gostado. Mas se trata de uma aula de articulação de texto e imagem, naquilo que a linguagem pode ter de política e provocativa.
O Lobo de Wall Street
(The Wolf of Wall Street)
De Martin Scorsese. Com Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie, Rob Reiner, John Favreau, Jean Dujardin, Jon Bernthal e Matthew McConaughey.
Comédia dramática, EUA, 2013. Duração: 180 minutos. Classificação: 16 anos.
Em sessões diárias de pré-estreia no país. Estreia no circuito na semana que vem.
Cotação: 4 (de 5) estrelas.