Vindos de São Paulo, onde fizeram cinco apresentações (duas extras) no último fim de semana, Yamandu Costa e seus parceiros Arthur Bonilla e Guto Wirtti trazem nesta sexta-feira e no sábado ao Theatro São Pedro um show que é a cara do Rio Grande do Sul. Embora a capa do disco respectivo, Continente, traga apenas o nome de Yamandu, trata-se de uma criação coletiva.
Pela primeira vez, Yamandu produz um álbum com trio de violões, clássica formação usada em toda a América Latina, incluindo o Rio Grande, mas muito pouco praticada nas outras regiões brasileiras. Ela se presta ao espírito do trabalho, que tem um tratamento de música de câmara.
- Agimos mesmo como um grupo de câmara - diz Yamandu. - Não tem isso de primeiro violão, segundo violão, terceiro violão. Individualmente somos conhecidos pelo lado virtuosístico forte, mas neste trabalho a história é outra. A música é mais importante do que nossa facilidade de tocar, do que nossos egos.
O repertório de Continente começou a nascer uns três anos atrás em Viena. Explorando uma loja de instrumentos, Yamandu e Wirtti se impressionaram com um violão-baixo com quatro cordas de náilon. Ali mesmo experimentaram o som, Wirtti comprou o instrumento e em seguida, no hotel, passaram a compor, com o violão de sete cordas e o "baixolão". Entre as músicas feitas naqueles dias está a que dá título ao disco, só de Wirtti, mas seguindo a ideia de Yamandu de homenagear Erico Verissimo.
- Sou apaixonado pela obra O Tempo e o Vento. No álbum Lida, de 2007, já está a música Ana Terra. Continente é uma segunda etapa desse mesmo sentimento, que longe de casa parece vir mais forte. Eu e o acordeonista Bebê Kramer tocamos com a Orquestra de Paris minha Suíte Passeios, uma composição bem gaúcha que fiz por insistência do maestro Antônio Borges-Cunha, e que cita a música Negrinho do Pastoreio. Imagina isso com uma orquestra europeia...
Filho do conhecido cantor regionalista Antônio Gringo, Guto Wirtti atua frequentemente com Yamandu e vive há vários anos no Rio de Janeiro, onde é um músico e produtor bastante requisitado. Arthur Bonilla, o outro sete cordas do trio, toca com Renato Borghetti e outros artistas locais. Com a temporada de lançamento de Continente, percorre pela primeira vez o Brasil. É amigo de infância de Yamandu, discípulo do mesmo mestre, Lucio Yanel.
­- Conheci o Bonilla quando eu tinha nove anos e ele, sete - conta Yamandu. - Nossos pais se conheciam, e ouvi falar que em Cruz Alta tinha um menino que, como eu, tinha facilidade de tocar as músicas do Lucio. Morávamos em Passo Fundo e um dia meu pai me levou na casa dele. Quando ele, com sete anos, começou a tocar, eu não acreditei. Passamos o dia brincando de tocar violão; porque nosso brinquedo era o violão, não um videogame ou outra coisa. Para fazer o disco pensei logo nele, porque esta música tem que saber tocar, não é para qualquer um.
Além de todas as composições do álbum, que têm uma sonoridade limpa, madura, sem floreios, a maioria de Yamandu e Wirtti, como Chamamer, Cabaret, Namoro de Guitarras (lírica, suave, colorida) e Peleia de Guitarras (insistente, climática, quase nervosa), o roteiro do show tem uma música do colombiano Gentil Montaña e uma inédita de Yamandu/Bonilla, Missioneirita. Por elas desfilam os ritmos da região, milonga, chamamé, chacarera, que, nas palavras de Yamandu, "às vezes tocamos quase que por osmose". E o trio, diz ele, vai seguir na estrada:
- Estou super animado, quero ver se estico esse triozinho verão adentro.