As especiarias cultivadas em meio a névoa nos Gates Ocidentais têm alimentado guerras, fortunas e mesmo a descoberta de continentes e, por milhares de anos, os agricultores as cultivaram da mesma forma tradicional. Até agora.
A ciência revelou o que antigos reis e sultões nunca souberam: ao invés de melhorar a saúde, os temperos, às vezes, deixam as pessoas muito doentes, por isso, autoridades do governo indiano estão, discretamente, impondo algumas das mudanças mais abrangentes no modo como os agricultores daqui colhem, secam e debulham sua rica recompensa.
A FDA, órgão americano responsável pelo controle de qualidade de alimentos e medicamentos, em breve irá lançar uma análise abrangente que aponta temperos importados, encontrados em quase todas as cozinhas do mundo ocidental, como fontes surpreendentes de envenenamento por salmonela.
Em uma pesquisa com mais de 20 mil carregamentos de alimento, a agência alimentícia descobriu que quase 7% dos lotes de especiarias estavam contaminados com salmonela, duas vezes a média de todos os outros alimentos importados. Cerca de 15% dos carregamentos de coentro e 12% dos de orégano e manjericão estavam contaminados, com altos níveis de contaminação, também encontrados nas sementes de gergelim, no curry em pó e no cominho. 4% do carregamento de pimenta do reino estavam contaminados.
A cada ano, 1,2 milhão de pessoas nos Estados Unidos adoecem com a salmonela, uma das fontes mais comuns de doenças derivadas de alimentos. Mais de 23 mil pessoas estão hospitalizadas e 450 morreram. Os sintomas incluem diarreia, febre e cólicas abdominais que podem começar entre 12 e 36 horas depois da infecção e podem durar de três a cinco dias. A morte pode acontecer caso a infecção se espalhe dos intestinos para a corrente sanguínea e afete órgãos vitais. Crianças e idosos fazem parte da faixa de maior risco.
O México e a Índia tiveram as quotas mais altas de temperos contaminados. Cerca de 14% das amostras do México continham salmonela, segundo a pesquisa, um resultado objetado por autoridades mexicanas.
As exportações da Índia ficaram com o segundo lugar entre as mais contaminadas, com aproximadamente 9%, mas a Índia exporta quase quatro vezes a quantidade de especiarias para os Estados Unidos em comparação ao México, por isso, esses problemas de contaminação são particularmente preocupantes, segundo autoridades. Quase um quarto das especiarias, óleos e colorantes alimentícios usados nos Estados Unidos vem da Índia.
As descobertas, resultado de uma pesquisa de três anos que autoridades da FDA, na ocasião, discutiram publicamente e, recentemente, foram publicadas na revista Food Microbiology, formam uma parte importante da análise que chegará a público "em breve", segundo oficiais da agência.
- A salmonela é um problema abrangente relativo às especiarias importadas. Nós decidimos que as especiarias são um dos maiores problemas com que devemos nos preocupar agora - disse Michael Taylor, comissário adjunto de alimentação da FDA, em uma entrevista.
Os ocidentais estão particularmente vulneráveis às especiarias contaminadas porque a pimenta e outros temperos são usados já à mesa, por isso, as bactérias que pegam carona são consumidas vivas e saudáveis. A bactéria não sobrevive a altas temperaturas, portanto, as especiarias contaminadas apresentam menos problemas quando adicionadas durante o cozimento, como é comum na culinária indiana e na maioria dos outros países asiáticos.
Na Índia, maior produtora, consumidora e exportadora de especiarias do mundo, o governo está levando as preocupações de Washington a sério.
- O mundo quer especiarias seguras, e nós estamos comprometidos a fazer isso acontecer - disse Dr. A. Jayathilak, presidente do Conselho de Especiarias da Índia, uma agência do governo que regula e fomenta especiarias.
Testes da FDA descobriram que especiarias contaminadas tendem a ter mais tipos de salmonela do que as encontradas tipicamente em carnes contaminadas. O órgão, que visualmente inspeciona menos de 1% de todos os alimentos importados e faz testes de laboratório em uma fração minúscula deles, rejeita importações com qualquer sinal de contaminação por salmonela, já que foi mostrado que apenas 10 células já causam doenças sérias.
Doenças causadas por especiarias são difíceis de rastrear. Quando questionadas sobre o que pode tê-las deixado doentes, as pessoas raramente pensam em mencionar ter adicionado pimenta à salada. Especiarias ficam nas prateleiras das cozinhas indefinidamente, por isso, ligar doenças que podem acontecer com anos de diferença é, frequentemente, impossível.
Porém, a sequência sofisticada de DNA dos tipos de salmonela está finalmente permitindo que autoridades alimentícias apontem as especiarias como causa de repetidas epidemias, incluindo uma em 2010, envolvendo pimentas vermelha e preta que deixaram mais de 250 pessoas doentes em 44 Estados. Depois de uma epidemia, em 2009, ligada à pimenta branca, uma inspeção descobriu que a salmonela havia colonizado a maior parte de Union City, na Califórnia, instalação de processamento de especiarias no coração da epidemia.
Durante um passeio por uma paisagem tropical repleta de plantações de pimenta e cardamomo, árvores-de-borracha e chá, e elefantes selvagens, autoridades indianas mostraram algumas mudanças voluntárias que estão promovendo.
A primeira parada foi na plantação de quatro hectares de Noble Joseph, uma viagem de cerca de quatro horas a sudoeste da cidade de portuária de Kochi, lá em cima a alguns milhares de metros de rodovias sinuosas nas montanhas.
A plantação montanhosa de Joseph é dominada por carvalhos-prata e corticeiras plantados a cada 2,4 metros; cada árvore é cercada de quatro ou cinco videiras de pimenta.
Durante a temporada de colheita, que começa em fevereiro, 15 trabalhadores se amontoam em uma pequena casa de fazenda por quase dois meses e usam escadas de bambu para colher sementes das videiras a alturas que chegam aos 12,2 metros.
Não há muito tempo, agricultores de pimenta, quase universalmente, secavam as sementes em esteiras de bambu ou em chãos sujos e depois as juntavam para debulhá-las manualmente. Sujeira, esterco e salmonela eram, simplesmente, uma parte da colheita, tanto que em 1987 a FDA bloqueou carregamentos de pimenta-do-reino da Índia. A proibição foi derrubada dois anos mais tarde, depois que o governo indiano começou o programa de testes.
Agora, os Josephs fervem a colheita na água para limpar os grãos, fazem uma secagem rápida e buscam uma cor uniforme. Eles, então, são colocados em lonas espalhadas por uma laje de concreto com redes por cima, para recolher excrementos de pássaros. Fornos seriam ainda mais higiênicos, mas os aparelhos e a eletricidade são caros "e a luz do sol é grátis", disse Joseph.
O conselho de especiarias cobre um terço do custo das lajes de concreto, lonas e debulhadores mecânicos, e já que a maioria das plantações é pequena, o conselho já organizou cooperativas para juntar as instalações. Autoridades do conselho recentemente compareceram a seminários de treinamento da FDA, em Maryland.
A salmonela pode sobreviver indefinidamente nas especiarias secas, e matar a bactérias na superfície enrugada das pimentas secas, sem arruinar o sabor, é especialmente desafiador.
Autoridades do governo indiano enfatizaram, em entrevistas, que as especiarias programadas para exportação são, frequentemente, tratadas para matar qualquer bactéria. Tais tratamentos incluem aquecimento a vapor, irradiação ou gás de óxido de etileno. Contudo, inspetores da FDA encontraram altos níveis de contaminação por salmonela em carregamentos que teriam recebido tais tratamentos, segundo mostraram documentos. Muita da pimenta contaminada na epidemia de 2010 havia sido tratada com vapor e óxido de etileno, e fora certificada como testada e aprovada, segundo autoridades.
Outra produção de especiarias, na vila de Chemmanar, Bipin Sebastian está no meio de uma transição de quatro anos para a agricultura orgânica, na esperança de conseguir um preço especial por sua pimenta, cravo-da-índia, cardamomo, cúrcuma e café.
Sebastian diz ter usado subsídios do governo para comprar lonas, redes e uma maquina de debulhar.
- Nós costumávamos colocar nossa pimenta direto no chão. Agora, colocamos lona por baixo e rede por cima, para protegê-la dos passarinhos. E eu tenho conseguido um preço mais alto. Tem sido ótimo - disse Sebastian.