Sergio Napp: Menina

Uma noite fria e de céu limpo como sabem ser as noites de agosto por aqui. Voltamos eu, Mancha e Dom Luís, da vila onde fomos em busca de avios, quando vejo a estrela do lado direito do Cruzeiro.

Sempre que uma estrela nova aparece, dizia a avó, é sinal de que uma menina acaba de nascer. Menina abençoada, completava.

Onde terá nascido esta menina? Qual a cor dos seus olhos, dos cabelos, como será o seu riso? Dorme nos braços de seus pais envolta em um cobertor ou ensaia os primeiros olhares em busca da vida? Alguém já lhe contou que o mundo anda conturbado, coberto de incertezas e que enfrentá-lo não será tarefa das mais fáceis?
O frio toma conta devagar e sempre. Acendo o candeeiro, atiço as brasas no fogão a lenha, coloco o poncho, sirvo uma pura, me preparo para a noite que será longa. Há uma menina que poderia me aquecer com suas histórias de faz de conta, mas ela me é desconhecida.

Esta menina, por certo, será valente, mas afetuosa. Haverá de conquistar seus espaços através de voos em meio a uma intuição aguçada plena de sinceridade. Terá um espírito guerreiro inquebrantável e haverá de se erguer tantas vezes quantas forem necessárias. Sofrerá? Por certo, que a ninguém é dado o privilégio da felicidade inquestionada. Mas saberá enfrentar a todo e qualquer sortilégio, não tenho dúvida.

Caso a estrela a conduzisse até mim, eu lhe faria uma pergunta para a qual nunca encontrei resposta: Como nos desprendemos de um amor que não se fez e, mesmo assim, se deixou aguilhoando a alma pela vida afora?

Ela talvez nada dissesse. Talvez sorrisse. Talvez inventasse uma história para me animar.

Eu então a abraçaria com um carinho sem medidas e nos deixaríamos olhando a noite se precipitar para o dia.

Mesmo que a neve caísse, mesmo que o fogo apagasse, apesar do incontrolável ciúme de Dom Luis, ficaríamos envoltos pelas nuvens do afeto. Eu cantaria uma cantiga de ninar. Ela me tocaria de leve a barba.

A vida e seus mistérios também cabem num abraço quando somos tocados pelo amor.