Joseph Kosuth é um mito da arte conceitual. Não só por ser um dos artistas que ajudou a estabelecer um movimento radical para a metade do século 20, mas por alimentar com afinco, por mais de cinco décadas, as discussões sobre o fazer artístico.
Foi com apenas 20 anos que o americano Kosuth desafiou as classificações usadas por galerias e museus. Ele não estava sozinho, considerando nomes como Marcel Duchamp, Piero Manzoni, Joseph Beuys, entre outros. São todos artistas que negaram a forma e levaram aos trabalhos uma preocupação que já não era somente estética, mas de ordem conceitual. E esse pensamento ainda hoje provoca reflexões filosóficas sobre a condição da arte contemporânea.
Com One and Three Chairs (1965), Kosuth criou uma de suas obras mais representativas. Nela, o americano instalou lado a lado três formas de cadeira: um exemplar comum, uma fotografia em prata coloidal e uma definição de dicionário sobre o objeto em questão. Assim, Kosuth estimulava o espectador com as concepções do objetivo físico, de sua representação e seu significado verbal, interrogando se determinada forma de apresentação pode ter mais valor do que as outras.
Na quinta-feira, em sua passagem pelo Brasil, Kosuth, 68 anos, palestrou em Joinville (SC), a propósito dos 10 anos do Instituto Luiz Henrique Schwanke. Nesta entrevista exclusiva, concedida por e-mail, o artista alerta para a constante ressignificação da arte a cada geração, faz críticas ao modernismo e defende o fato de que a arte necessita de cabeças pensantes dentro e fora do processo artístico.
Ao longo de sua carreira, como foi lidar com a constante exigência de alimentar a expectativa dos admiradores de seu trabalho?
Joseph Kosuth - Felizmente, esta nunca foi minha motivação. Se há alguma coisa que se quer confundir é a expectativa dos outros. Fornecer uma surpresa, um abrir os olhos (como eles são um caminho para a mente) mais facilmente, é um aspecto importante da função do artista. Artistas essencialmente criam ideias, o nosso material são as ideias, e não formas e cores, mesmo quando usamos formas e cores para criar ideias. Ao usar o que chamamos de apropriar-se das coisas em nossa cultura, descompactamos os significados delas em nosso mundo presente. Mas significados mudam como a sociedade, assim a arte começa a ser feita para a vida, e isto deixa um registro de significados no nosso tempo. O trabalho de um artista é, de fato, filosofia da arte - se há clareza na visão dele ou na manifestação de seu trabalho. É por isso que tem de vir de dentro, e não simplesmente ser aplicado à fórmula de uma tradição, como nas práticas fundamentalmente impessoais e não ancoradas no presente no qual a arte obtém sua autenticidade. Essa autoridade da forma (pintura, escultura), que valida o trabalho tradicional, é também o que a separa do presente e a faz inautêntica. Novos tempos sempre exigem uma nova ideia de arte. O que se tem feito na abordagem que chamamos de conceitual, que não seguiu esse caminho e continua agora com quase 50 anos, é não ser prescritivo como a arte moderna tem sido. O modernismo operou acerca dos limites do seu processo formal de autodescrição, mas a mudança foi apenas dentro da autodescrição. A própria natureza da arte nunca foi, com exceção de Duchamp e um par de outros, realmente questionada - era sempre pintura e escultura.
Há algum tipo de herança que o senhor gostaria de deixar para a arte contemporânea?
Kosuth - Que a arte é sobre ideias, e que homens e mulheres são jogadores iguais na tomada de significados em nossa sociedade. A arte conceitual nivelou o campo de jogo, proporcionou uma nova base para o "porquê" e o "como" fazemos arte, na qual as mulheres não foram categoricamente deixadas fora. Já não era o xamã, como Cristo, figura masculina expressionista, nosso modelo de quem foi o artista, já não era a magia de traços aurática da mão - tão útil para as necessidades de escassez no mercado - a base para o valor na arte. Em vez disso, a nossa contribuição para a história das ideias na cultura do mundo tornou-se mais o que definimos como nossa missão. Trabalho que nos fez repensar a arte, e o mundo estabeleceu seu próprio valor por meio de sua inteligência. Significados vêm do trabalho, e não simplesmente por meio da persona da expressão do artista.
O senhor acha que há questões que a arte contemporânea ainda não respondeu?
Kosuth - Novas questões não podem ser evitadas, já que questionar a natureza da arte é a própria natureza da arte agora. Um trabalho relevante é feito vivendo no presente para a vida no presente, deixando, assim, uma visão autêntica de nossa vida para o futuro. Assim, as perguntas sempre mudam e são reformuladas pela passagem do tempo. Significados velhos adquirem um novo significado no presente, as antigas formas também.
O senhor destacaria algum artista brasileiro?
Kosuth - Eu sei que a arte conceitual no Brasil tem uma longa história que remonta à década de 1970. Estou esperando para saber mais sobre essa produção e sua história, como resultado deste convite para ir ao Brasil.
Entrevista
Joseph Kosuth vem ao Brasil compartilhar experiências e discutir a arte
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