A conferência que Mia Couto proferiu na noite desta segunda, na sessão de encerramento do ciclo Fronteiras do Pensamento, foi uma demonstração de um gentil talento de narrador.
Pontuando suas declarações com histórias de suas passagens pelo Brasil, Couto provocou risos, emoção e foi aplaudido de pé ao discutir a conexão entre as noções de fronteira e pensamento.
A fala de Couto foi uma das mais divertidas nesta edição do Fronteiras. Biólogo de formação, foi apresentado no evento pela escritora e diretora do Instituto de Letras da UFRGS, Jane Tutikian. Começando sua conferência no Salão de Atos da UFRGS com uma metáfora do mundo natural contra a noção de que o pensamento não tem fronteira alguma, ele lembrou que todas as células vivas são determinadas pelos seus limites.
- A vida tem fome de fronteiras. E não há o que lamentar, porque estas fronteiras naturais se imaginaram a si próprias para dar forma ao que somos - disse.
Depois, enveredou por causos de suas passagens pelo Brasil, país ao qual se referiu com termos elogiosos durante toda a noite.
- Bush invadiu o Iraque usando a mentira das armas de destruição massivas. O Brasil tem uma arma de construção massiva em sua simpatia, a simpatia de se colocar no lugar do outro - disse.
Ainda tangenciando a questão das fronteiras, Couto nomeou a própria língua portuguesa como uma fronteira da identidade de seus países falantes, ao comentar o quanto as mesmas palavras assumiam significados diferentes no Brasil, em Portugal e em Moçambique. Contou que, em sua primeira viagem ao Brasil, impressionado pelos perigos do país, sobre os quais sua filha tanto o alertara, chegou ao aeroporto para encontrar um homem estranho com uma placa com seu nome escrito errado
- Achei que estava sendo levado para o meu momento final, o carro parecia um carro funerário. O homem sentou-se ao meu lado e me perguntou: "Aceita uma balinha?". E eu pensei: "Este é de fato o assassino mais gentil que pode haver" - contou, reforçando que, em Moçambique, "bala" nunca é doce, e sim um "projétil".
Couto falou também sobre as fronteiras entre o homem e a natureza, e o quanto elas são muito mais fluídas na cultura tradicional africana.
- Não quero fazer a defesa de uma apreciação exótica dos africanos. Apenas temos que saber que nós, os que temos um pé na racionalidade, não imaginamos o quanto a ciência não sabe. Os jornais não gostam de falar nisso porque não vende tanto quanto o efeito estufa, mas, como biólogo, posso dizer que nós, humanos, somos feitos sobretudo de células não humanas. De cada 10 células, nove são bactérias que vivem em nosso corpo - disse.
Durante a etapa das perguntas, Mia Couto recebeu da plateia uma questão sobre o que a reeleição de Barack Obama significava para Moçambique.
- Supõe-se que o escritor fala de política, de estratégia militar, de crise financeira, que tem sempre uma opinião. Quando Obama foi eleito pela primeira vez, a África festejou. Porque era um africano, um irmão, que governaria a maior nação do mundo. Obviamente havia também uma certa dose de ingenuidade e hipocrisia. Havia uma esperança de que Obama mudaria a sua política externa para a África, o que não aconteceu.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado pela Braskem e patrocinado por Unimed Porto Alegre, Natura, Gerdau e Grupo RBS. Conta com a parceria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apoio da Petrobras no módulo educacional e parceria cultural de Unisinos, prefeitura de Porto Alegre e governo do Estado do Rio Grande do Sul.
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