O jornalista do Segundo Caderno Daniel Feix assistiu no Festival de Cinema de Gramado o longa-metragem nacional O que se Move e o filme cubano Vinci, que concorre na categoria longa-metragem latino. Confira a opinião dele sobre os filmes:
O que se Move
De Caetano Gotardo
É estranho e bonito o longa de estreia de Caetano Gotardo, jovem diretor da turma de Juliana Rojas e Marco Dutra, os realizadores de Trabalhar Cansa (2011), que assinam respectivamente a montagem e a música de O que se Move. Triste, denso, candidatíssimo ao Kikito de melhor longa-metragem nacional, o filme é um Dançando no Escuro (2000) brasileiro: como na produção dirigida por Lars von Trier, uma tragédia familiar afeta a mãe, que põe para fora sua dor por meio da música. Em vez de uma, aqui há três mães (Cida Moreira, Andrea Marquee e Fernanda Vianna). Gotardo conta a história da primeira, encerra-a com a canção de sua vida, depois a da segunda e por fim a da última, sempre com a mesma estrutura narrativa.
E sempre com o mesmo talento na sofisticada composição dos planos, na tensão habilmente construída a partir de pistas falsas da tragédia iminente e, sobretudo, nos três desfechos musicais que sintetizam a estranha beleza do filme - com estrutura melódica inabitual, as canções narram detalhada e gradualmente a sequência de fatos que deram origem à tristeza, o que, na voz daquelas três mães, torna-se profundamente tocante. A rigor, o problema de O que se Move é encontrar um público predisposto ao seu ritmo reflexivo, difícil - o que, no fim das contas, nem é um problema do projeto, mas de um contexto exterior.
Quem tem um dilema a resolver é o júri, se não quiser dividir o Kikito de melhor atriz e resolver escolher apenas uma entre as três intérpretes.
Vinci
De Eduardo del Llano Rodríguez
Se O que se Move surpreendeu, pode-se dizer que o outro longa exibido na noite de quarta-feira no Palácio dos Festivais cumpriu aquilo que se esperava dele: trata-se do mais curioso entre os competidores de Gramado 2012.
Produção cubana de meros R$ 50 mil, Vinci imagina o que teria ocorrido nos dois meses em que Leonardo Da Vinci (1452 - 1519), à época com 24 anos, esteve preso devido à prática de sodomia em Florença. O aperto financeiro não compromete a realização uma vez que, durante todos os 61 minutos do filme, o que se vê é o mesmo cenário: a cela na qual Da Vinci (Héctor Medina) vai aos poucos usando sua inteligência para driblar a antipatia dos dois criminosos com os quais é obrigado a conviver (Manuel Romero e Carlos Gonzalvo, ambos melhores que o protagonista).
A trilha sonora referenciada no tempo em que se passa a trama, os movimentos cuidadosamente marcados dos personagens e a fotografia moldada a partir do reflexo da luz das tochas sobre as paredes de pedra enriquecem Vinci, mas não disfarçam sua pobreza de produção - algo difícil de abstrair, em se tratando de um título de época. O melhor do filme são os diálogos que, devagarinho, vão evidenciando a sua real intenção: demonstrar o quanto a beleza da arte pode ser salvadora mesmo para quem parece condenado à obscuridão. Se a competição de longas latinos tivera um grande início com Artigas, mas esfriara brutalmente com Diez Veces Venceremos e Leontina, com Vinci voltou a ganhar - relativa - força.