Trata-se de um conto da vida real sobre um talento ignorado, má sorte e oportunidades perdidas: um cantor e compositor assina um contrato no final dos anos 1960, depois de produtores vinculados à Motown o verem tocar em uma casa noturna esfumaçada de Detroit. Lança alguns álbuns que não vendem quase nada e desaparece do panorama. Por que, então, 40 anos depois, alguém se sente compelido a fazer um filme sobre esse artista obscuro, conhecido profissionalmente como Rodriguez?
Porque aconteceu que, do outro lado do globo, na África do Sul, Rodriguez havia se tornado tão popular quanto os Rolling Stones e Elvis Presley. Mas ele nunca soube desse sucesso. Nunca recebeu um centavo em royalties por ele e passou décadas fazendo trabalhos manuais para dar conta das despesas e criar três filhas. A carreira de Rodriguez ressuscitou apenas quando os seus fãs da África do Sul, tentando verificar rumores de que ele estava morto, o localizaram através da internet e o levaram até o país para que se apresentasse para as multidões que o adoravam.
- Essa é a história real mais grandiosa e mais incrível que eu já ouvi. É um conto de fadas quase arquetípico - disse o sueco Malik Bendjelloul, diretor de Searching for Sugar Man, um documentário cuja estreia está programada para 27 de julho em Nova York e Los Angeles. - É uma história perfeita. Tem o elemento humano, o aspecto musical, uma ressurreição e uma história de detetive.
É também pouco provável que uma história assim ocorra novamente. Na época anterior à web, os sul-africanos, que viviam sob o apartheid e isolados das principais correntes da cultura pop por conta da censura interna e das sanções internacionais, não tinham ideia de que Rodriguez estava definhando no anonimato em outro lugar. O próprio cantor agravava a situação, procurando viver o mais discretamente possível.
- Eu já produzi uma série de artistas renomados, com grandes sucessos, como Peter Frampton e Jerry Lee Lewis, mas nunca tinha trabalhado com alguém tão talentoso quanto Rodriguez - disse Steve Rowland, que produziu o segundo álbum do cantor, Coming From Reality. - Eu nunca entendi por que ele não se tornou uma grande estrela, e é por isso que vê-lo ressurgir das cinzas, como uma fênix, é tão inexplicável. Mas fico muito, muito feliz por isso estar acontecendo com ele, porque ele é uma pessoa maravilhosa e humilde, que realmente merece.
O título de Searching for Sugar Man vem de Sugar Man, o retrato sombrio de um traficante de drogas e de seus clientes que dá nome à primeira faixa do álbum de estreia de Rodriguez, Cold Fact, lançado em março de 1970. Outras de suas canções apresentadas no filme, como I Wonder, Inner City Blues e A Most Disgusting Song, tratam de convenções sexuais e sociais, política, economia e desigualdades raciais - qualidades que, o filme explica, o tornavam extremamente atraente para os jovens sul-africanos brancos que se opunham tanto ao apartheid quanto à moral calvinista que então prevalecia em seu país. Alguns até mesmo atribuem a Rodriguez crédito por terem se conscientizado quanto à opressão do governo.
Quando Bendjelloul ouviu falar pela primeira vez da saga de Rodriguez, em 2006, durante uma longa viagem pela África, na qual buscava ideias para o seu longa-metragem, pensou que alguém na África do Sul já tivesse explorado o assunto antes dele.
- Havia sempre uma moeda de ouro sob cada rocha que eu levantava - disse ele sobre as informações que reuniu sobre a vida e a música de Rodriguez.
Mas Bendjelloul, 34 anos, filho de um médico argelino e uma pintora sueca, logo concluiu que "as razões pelas quais os sul-africanos não fizeram nada quanto à história de Rodriguez é que ela era muito familiar para eles. Todo mundo a conhece". Como tinha feito programas dedicados a estrelas pop, como Elton John, Kraftwerk e Björk, enquanto trabalhava na televisão sueca, ele decidiu mergulhar em um percurso que, por momentos, parecia estar tão condenado ao fracasso quanto a carreira do protagonista de seu filme.
Havia, entre outros, o desafio de conseguir a cooperação de Rodriguez, que é "muito reservado e teve que se forçar a fazê-lo, acho que por motivos profissionais", como contou Bendjelloul. A princípio, a resposta do músico foi: "Tem tanta gente por aí, você não precisa de mim", lembrou Bendjelloul.
- Eu estava cético quanto à ideia de aparecer em um filme - disse Rodriguez (seu nome completo é Sixto Rodriguez, mas ele usa apenas o sobrenome) após a pré-estreia de Searching for Sugar Man no Festival Internacional de Cinema dos Hamptons. - Eu não sou um cara visual. Eu sou sonoro. Eu sou músico. Eu sei o que faço. Eu toco guitarra e me viro bem na minha categoria.
Rodriguez, hoje com 70 anos, aprendeu a tocar o instrumento com seu pai, um imigrante mexicano que foi para Detroit para trabalhar nas fábricas de automóveis. Musicalmente, ele pertence à tradição de cantores e compositores de protesto da década de 1960, e escutava Tim Hardin, Fred Neil, Tom Paxton e Phil Ochs.
- E é claro, ouço Dylan desde sempre, além de Barry McGuire e toda aquela coisa de Eve of Destruction.
Após a sua carreira fonográfica entrar em crise, em 1972, Rodriguez trabalhou com construção, demolição e reforma de casas, vivendo de modo modesto. Ele parece bastante sereno tanto no filme quanto pessoalmente.
- Não podemos demorar muito para tomar decisões, então, sim, eu escolhi a encarar a realidade", disse ele. "Eu sou uma pessoa ligada à família, e essas escolhas vêm daí. É preciso abraçá-las, meu pai costumava dizer. Não dá para esperar, ver o que acontece e escapar ileso. Pegar no pesado não é nenhuma vergonha.
No boêmio Cass Corridor, em Detroit, mesmo bairro que foi refúgio para MC5, Iggy Pop, a revista Creem e os White Stripes, Rodriguez se tornou um personagem familiar, uma presença magra e espectral, vestida de preto como Johnny Cash, um excêntrico muito querido que caminhava por toda parte e não tinha telefone, o que complicou a busca dos sul-africanos por ele. Mas ele também se formou em Filosofia, é especialista em Lógica e Ética e mergulhou na política, tendo até mesmo concorrido ao cargo de prefeito de Detroit.
Se Searching for Sugar Man tem um "vilão" - a palavra que o ator Alec Baldwin, fã do filme, usou em um debate após a pré-estreia nos Hamptons - ele é Clarence Avant, proprietário do selo Sussex, que lançou os dois discos de Rodriguez. Ex-presidente da Motown, Avant reage ironicamente na tela ao ser questionado quanto ao motivo pelo qual Rodriguez nunca ganhou dinheiro com seu sucesso na África do Sul.
- Você acha que vou me preocupar com um contrato assinado na década de 1970? - responde ele. - Se você acha mesmo isso, está totalmente louco.
Contatado por telefone, Avant, que está com 81 anos, disse ter visto o filme e lamentar por ter sido tão irreverente frente à câmera.
- Eu não tive nada a ver com o destino do dinheiro - disse ele. - Eu não sei para quem os sul-africanos estavam pagando, e não sei quem detinha meus direitos no exterior.
Questionado sobre quem controla atualmente as gravações de Rodriguez e os direitos associados ao lançamento de suas músicas, Avant respondeu:
- Sou eu.
Bendjelloul disse que Rodriguez, mesmo agora, "ainda não ganha nada com as vendas de seus discos na África do Sul", mas Avant disse que isso em breve seria remediado, como resultado de um acordo que ele fez com a Universal Music, cuja gravadora é possivelmente a maior do mundo da música.
A história de Rodriguez, porém, também tem um herói anônimo, um sul-africano, proprietário de uma loja de discos, chamado Stephen Segerman. Ele ouviu pela primeira vez as músicas de protesto do artista quando foi convocado para o exército sul-africano, no qual, conta ele, "a música de Rodriguez representava o que Hendrix e The Doors foram para os rapazes no Vietnã". Anos depois de ter saído das Forças Armadas, ainda vidrado na música de Rodriguez e chocado ao saber que o artista era desconhecido nos Estados Unidos, Segerman decidiu descobrir o que havia acontecido com seu ídolo.
- Eu queria que ele se tornasse conhecido em seu próprio país, embora não soubesse como isso iria acontecer na era anterior à internet - disse Segerman da Cidade do Cabo, em uma entrevista feita por telefone. - Ele é realmente muito especial, então todos que estão envolvidos com ele de alguma forma estão felizes com o que está acontecendo, já que o público propriamente dito do Rodriguez é americano, e não sul-africano ou australiano.
- Essa é uma história que continua a ter finais felizes - acrescentou Segerman, cujo apelido, naturalmente, é Sugar Man. - Supõe-se que coisas assim não acontecem na vida real.
Graças ao burburinho gerado pelos prêmios que Searching for Sugar Man, distribuído pela Sony Pictures Classics, ganhou no circuito de festivais e, especialmente, pela resposta extraordinariamente emotiva do público, a carreira de Rodriguez nos Estados Unidos ressurgiu com toda força. O início da sua primeira turnê nacional está programado para este verão, e ele deve ser entrevistado no Late Show With Dave Letterman em agosto. O selo Legacy, da Sony, está lançando um CD da trilha sonora com versões recém-masterizadas de 14 das canções que ele gravou mais de 40 anos atrás.
Rodriguez, então, desistiu do ramo da construção?
- Bem, não se deve jogar fora as roupas com as quais se trabalha - respondeu ele. - Mas essa é uma temporada de realizações. Acho que todos nós queremos conquistar nossos objetivos imediatamente, mas acredito que nunca é cedo demais nem tarde demais para fazer isso.