Classificada como uma "morte consciente e planejada", uma das maiores bandas brasileiras de todos os tempos, em termos de repercussão internacional, está chegando ao fim. O Sepultura é um produto legitimamente brasileiro, sendo uma daquelas referências para a imagem do país que nos leva além do carnaval, do futebol e da caipirinha.
O ponto de virada foi o trabalho Roots (1996), em que a banda se valeu da imersão na cultura indígena xavante. O resultado surpreendeu a indústria musical ao mesclar o tradicional heavy metal agressivo com elementos tribais genuinamente brasileiros.
Nestes 40 anos e mais de 20 milhões de álbuns vendidos, a banda passou por transformações. Viu dois membros originais partirem — os irmãos Max e Iggor Cavalera — e já teve quatro bateristas, sendo uma substituição feita às vésperas da atual turnê, batizada de Celebrating Life Through Death. Porém, a melancolia é refutada pelo líder e guitarrista Andreas Kisser. A banda se apresenta no Auditório Araújo Vianna, na Capital, nesta quinta-feira (21).
Nesta entrevista a GZH, o músico diz que o momento é de celebração, confessa surpresa pela saída repentina de Eloy Casagrande, fala da relação com Porto Alegre e surpreende ao sinalizar uma reaproximação com os irmãos Cavalera.
Por que acabar com o Sepultura? Aliás, é um fim de fato, é uma pausa? Como classificar este momento?
A classificação vai vir no futuro, acho que agora é irrelevante. O mais importante é celebrar esse momento. O último disco que fizemos, o Quadra (2020), é muito significativo na nossa carreira, a gente sobreviveu a uma pandemia através dele. Fizemos o álbum, SepulQuarta (2021), um evento que manteve a banda trabalhando num período muito difícil para todos. É um sentimento de dever cumprido.
Nesses últimos dois anos, a gente vinha conversando sobre essa possibilidade (de encerrar atividades). Obviamente, a minha experiência pessoal com a minha esposa (Patrícia), que faleceu de câncer, houve um ano e meio de tratamento e todo aquele processo final no hospital. A consequência foi ter criado o Maetricia (movimento que discute a morte digna), o Patfest (festival que arrecada recursos para a ONG Compassiva), a luta pelo cuidado paliativo e o estímulo para se falar de morte em sociedade.
A gente lida com a morte todos os dias, em finais de ciclo, relacionamentos, emprego, mudança de país. Se você vai num cinema assistir a um filme e não tem fim, ele não tem sentido. Enfim, não tenho nada definido ainda, tem várias possibilidades, mas eu quero pensar no agora, realmente celebrar esse momento.
Causou alguma chateação a saída do baterista Eloy Casagrande?
A gente estava há dois anos organizando a turnê com o aval dele, ele participando de todas as reuniões e do anúncio oficial em dezembro. Abrimos venda de ingressos, vários shows sold out (esgotados) pelo mundo e seguindo o planejamento. Até pouco tempo antes da reunião, a gente estava discutindo ensaios, as músicas que iríamos colocar, como seriam as luzes, enfim, todos os detalhes que englobam a turnê. Ele decidiu no dia 6 de fevereiro sair e anunciou dessa forma. Foi uma surpresa. Acho que "chateado" é uma palavra muito leve, foi realmente muita surpresa.
Sobre o novo baterista, o Greyson Nekrutman. Ele é um jovem de 21 anos, originário do jazz. Isso foi uma dificuldade para ele ou para vocês se adaptarem?
Sempre tem uma adaptação. O Sepultura já trocou de bateristas algumas vezes e a música da banda necessita de um baterista fenomenal. Desde o Iggor Cavalera, passando pelo Jean Dolabella e o Eloy Casagrande. O Greyson é o futuro da bateria, um cara jovem, que tem essa escola do jazz, mas estava tocando com o Suicidal Tendencies, do hardcore. Ele é super fã de metal, sabe todos os truques e a linguagem do thrash metal.
Ele já conhece o Sepultura há muito tempo, é fã da banda. A gente tem ensaiado bastante, adaptando coisas aqui e ali, e os shows têm sido fenomenais, têm sido mágicos. Ele é uma pessoa muito positiva, é um cara que é interessado, ele está aqui no Brasil experimentando de tudo, a comida, quer visitar lugares, ver um jogo de futebol.
Como vocês descobriram ele?
O Yohan (filho do Andreas) tinha me apresentado ele. O Derrick (Green, vocalista) também já conhecia, porque o Derrick mora em Los Angeles e ele conhece o pessoal do Suicidal Tendencies. Assim que o Eloy noticiou que estava saindo, foi o primeiro cara que me veio à cabeça. A gente fechou e dia 20 de fevereiro ele veio para o Brasil. Fizemos ensaios e, em 1º de março, houve o primeiro show em Belo Horizonte. Foi fantástico.
Você está com 55 anos. Como é essa relação de envelhecer com essa música que demanda essa energia e essa agressividade?
Ah, quanto mais velho você fica, mais puto você fica (risos). Mais sem paciência. Eu acho que o lance da agressividade não é uma coisa violenta no sentido de agredir ou machucar alguém. A gente lida com essa coisa da agressividade de várias formas diferentes. Beethoven era agressivo, pega a Quinta Sinfonia, por exemplo. Você pode achar coisas intensas. As óperas, dependendo da situação, do enredo, da história. Você não precisa de distorção pra ser pesado. É mais atitude do que som, do que raiva.
E a relação com Porto Alegre. Tem alguma história favorita que te lembra a cidade?
Já estivemos aí várias vezes. Já tocamos no Opinião, no Gigantinho, no Jockey Club com o Metallica, no Araújo Viana. A primeira vez foi em 1987 ou 1988, a turnê do Schizophrenia, que foi também quando o pessoal do Krisiun, os pequenos irmãos foram lá assistir ao show e também se influenciaram pra começar a banda e tudo (a banda gaúcha Krisiun foi formada pelos irmãos Kolesne em 1990).
A gente sempre teve um apoio muito intenso do Sul e principalmente de Porto Alegre. O show mais emblemático foi com o Ramones, no Gigantinho, em 1994. O álbum era o Chaos AD (1993), a gente estava num auge.
Te incomodam esses questionamentos em torno da possível volta do Max e do Iggor Cavalera?
Ah, vai ficar até o fim, né, até quando todo mundo morrer talvez (risos). É normal. Faz parte da história da banda. A gente lida com isso com tranquilidade.
Você conversa com eles?
Não, a gente não tem contato direto. Obviamente, através dos empresários, sim, porque a gente tem projetos. Lançamos as caixas de vinis com o Max, depois com o Derrick. Tem vários projetos que a gente se une pra fazer, mas sempre através de empresários, através da gravadora. E não pessoalmente. Mas tem uma porta aberta de trabalho, sim, o que é bom.
A entrevista completa foi ao ar no programa Playlist, da Rádio Gaúcha. Ouça na íntegra abaixo.