Quando o emocore ganhou força no Brasil, lá no começo dos anos 2000, era visto com um certo desdém, alvo de piadas. Os anos se passaram, algumas pessoas amadureceram e, hoje em dia, mais de duas décadas depois, o movimento parece ter encontrado o caminho para amolecer os corações mais duros — e boa parte do preconceito com o estilo aparenta ter se dissipado.
Tanto é verdade que, entre os anunciados no line-up do Planeta Atlântida 2024, Fresno e NX Zero foram dois dos grupos mais celebrados pelos planetários. Nas redes sociais, não faltaram fãs comemorando a presença destes dois bastiões do gênero no Brasil e uma das frases mais utilizadas pelos mais empolgados foi a já clássica "o meu emo está vivíssimo".
Enquanto a banda paulista se apresenta na sexta-feira (2), os gaúchos sobem ao palco principal no sábado (3) — e existe a expectativa por parte dos fãs de que possa ocorrer um crossover emo na ocasião. Será? De acordo com Lucas Silveira, vocalista da Fresno, tudo é possível e, se depender dele, este momento tão esperado vai acontecer.
— Estou planejando pegar uma casa em Atlântida, porque a minha filha não conhece. Quero esticar e fazer umas microférias de uns três dias. Então, provavelmente eu já vou estar lá na sexta-feira e é grande a chance da gente invadir o palco do NX. Eu não falei com os caras sobre isso, mas é uma avenida aberta. Então, eu não duvidaria disso acontecer — adianta o músico, deixando espaço aberto também para o caso dos paulistas decidirem permanecer mais um dia no litoral gaúcho e subir ao palco com a Fresno.
Esse seria um dos pontos altos da jornada emo da securitária Andressa Garcia, 30 anos — mais da metade deles, sendo fã das duas bandas. Ela aguarda ansiosamente este encontro, o qual ela nunca conseguiu vivenciar, apesar de ter ido a diversos shows dos grupos.
Andressa era muito jovem em 2008 para ir ao Planeta sozinha, quando os grupos dividiram o palco pela primeira vez. Por isso, espera poder viver esta experiência em 2024:
— Na época, eu não tinha essa independência de ir lá sozinha e não tive companhia, aí não tive essa vivência de ver essas duas potências juntas no palco do Planeta Atlântida. Eu fui alimentando a expectativa, mas ficou pelo caminho, porque o NX Zero não continuou. Mas, agora, com este retorno, ia ser incrível eles fazendo participação no show do outro. Independentemente de acontecer ou não, eu vou nos dois dias e ver as duas apresentações.
Nunca foi embora
Andressa, atualmente, é mais comedida ao demonstrar o seu lado emo — um pretinho básico e um All Star são os itens que usa para ornar com a melancolia das canções de seus ídolos. Porém, quando começou a acompanhar as bandas, lá na metade dos anos 2000, franja, maquiagem pesada e roupas xadrez faziam parte do seu figurino. Viveu o auge e não tinha vergonha, apesar de uma galera torcer o nariz.
— Eu acho que antes o pessoal tinha um hate mais forte porque eles separavam o que era rock, o que era metal e o que era o emo. Falar de sentimento era um tabu. Acho que hoje estão direcionando o hate mais para outra cena e meio que abraçaram essas bandas, até por verem que as músicas têm pautas que faziam sentido e que ainda fazem. Ainda são músicas muito boas — reflete Andressa.
Lucas Silveira avalia que, duas décadas atrás, o emo surgiu deixando muita gente do rock "irritada", por fazer sucesso falando de sentimentos e conquistar os jovens. Foi, então, por causa de uma "ciumeira", que se tornou cotidiano debochar de quem produzia esse conteúdo mais melódico. Hoje, o artista celebra que muitos que iam na onda de falar mal, agora assumem que gostam do som. Este público se soma aos fãs e torna o emo maior ainda.
— Eu acho que o mundo não estava muito pronto. E, por isso, esses grupos achavam legal zoar, mas muito focado em um sentimento homofóbico. Hoje, isso não cabe mais lugar em lugar nenhum. É meio bizarro pensar que, 10 anos atrás, a galera ainda metia essa para cima da gente e de quem nos curtia. É muito bom saber que isso ficou para trás. E, agora, o movimento virou um negócio enorme — comenta o vocalista da Fresno, que promete subir no palco do Planeta e entregar um show especialmente montado para o evento, com músicas antigas e novas, já que a banda está na entressafra de turnês.
O próprio Di Ferreiro, em sua última passagem por Porto Alegre, em junho de 2023, com a turnê Cedo ou Tarde, comentou sobre a valorização e a aceitação atual dos grupos associados ao emocore dos anos 2000. Segundo o artista, este tipo de movimento é cíclico, ocorrendo anteriormente com o grunge, com o punk e outros estilos musicais:
— Tudo que é novo e diferente, que vem para chocar, sejam movimentos, estilos ou tendências, essas que chocam são as que vão durar. Se ela choca, acaba mexendo com alguma pessoa do lado bom ou ruim. Mas ela mexe. Problema é se não mexesse. É genuíno, é verdadeiro. Por isso que hoje é legal falar "eu fui emo", "eu sou", "nunca foi só uma fase". É muito legal também se sentir parte de algo.
Com os "emos véio", como brinca Lucas Silveira nos shows da Fresno, e com a nova geração, que está aderindo ao movimento depois de mais de duas décadas de perseverança e de luta para vencer o preconceito — o que "cedo ou tarde" iria acontecer —, chegou a hora de "quebrar as correntes" e celebrar o emocore. E o palco será o do Planeta Atlântida.