Quando chegou ao Rio de Janeiro, em meados dos anos 1960, Maria da Graça era um tanto retraída. Apesar de sua doce voz já ser notória, a jovem baiana ainda era acanhada artisticamente. Ao longo de 120 minutos, Meu Nome é Gal apresenta as revoluções estéticas e os contextos políticos que a transformam naquela entidade artística por quem o mundo se acostumou a suspirar. É o desabrochar de Gracinha, como era chamada pela mãe.
A cinebiografia que chega aos cinemas nesta quinta-feira traz um recorte da vida de Gal Costa: de 1966, quando Gracinha desembarca no Rio, a 1971, quando ela realiza o emblemático show intitulado Gal A Todo Vapor. Sob a direção de Dandara Ferreira (responsável pela série documental O Nome Dela é Gal) e Lô Politi (de produções como Jonas e Alvorada), a atriz Sophie Charlotte encarna a cantora por completo, soltando sua voz nas cenas musicais — embora também haja dublagem de gravações de estúdio em determinados momentos.
As diretoras alertam que é um filme de ficção, mas construído em cima da história da Gal. Na trama, a cantora parte de sua terra natal, Salvador (BA), para se juntar aos seus amigos que já viviam no Rio — Caetano Veloso (Rodrigo Lelis), Gilberto Gil (Dan Ferreira) e Dedé Gadelha (Camila Márdila). Também está por lá Maria Bethânia, interpretada pela própria diretora Dandara, que os visita ocasionalmente. Ela chega como Maria da Graça, mas logo seu empresário, Guilherme Araújo (Luis Lobianco), a convence a mudar seu nome artístico pouco antes de ser lançada.
No entanto, Gal ainda tem uma postura introvertida, seja na TV ou nos ensaios fotográficos. Em meio à efervescência criativa de seus companheiros, forma-se a Tropicália, em que Gal se consolida como uma das principais vozes. Além da revolução estética e comportamental projetada pelo movimento, a artista começa a se encorpar.
Apesar de todas as ideias desafiadoras, a ditadura estava em vigência no Brasil. Há uma sociedade conservadora que não a compreende. A cantora vê seus amigos, Caetano e Gil, serem presos e depois se exilarem na Inglaterra. E Gal sente medo.
Para Lô, a ditadura não é apenas um pano de fundo ou contexto, mas sim uma personagem do filme. É a principal antagonista de Gal.
— É o que a move para frente. Algo que ela tem que enfrentar, que é difícil, que a faz sofrer muito — diz Lô. — O medo se faz real e entra na casa de seus amigos, e aí ela realmente se coloca para fora.
Construindo Gal
Além do drama, o filme também tem um musical, contando com performances de Sophie para clássicos do repertório da cantora — como Baby, Eu Vim da Bahia, Coração Vagabundo e a histórica apresentação de Divino Maravilhoso, no 4º Festival da MPB, na TV Record, em 1968, que é eximiamente recriada no longa.
Os figurinos e maquiagens também chamam atenção em Meu Nome é Gal. No começo, os looks da cantora são minimalistas e transparecem ingenuidade e timidez, mas vão evoluindo em camadas e extravagância intrinsecamente com a sua musicalidade.
Toda a construção de Meu Nome É Gal toma como base a pesquisa para a série documental O Nome Dela é Gal (2017). Dandara lembra que conversou com a cantora um mês após o lançamento do documentário. Segundo a cineasta, partiu de Gal o desejo inicial para o filme, que já havia algumas pessoas a procurando para o projeto. A artista estava insegura e gostaria que Dandara trabalhasse também na ficção. Em seguida, Lô somou-se ao projeto.
Sobre a construção do filme, Gal nunca participou. Por outro lado, ficou contente com a seleção de Sophie para interpretá-la.
— Ela achava que Sophie tinha muita proximidade com ela, primeiro na questão do olhar. A Sophie tinha uma doçura que a Gal tinha na idade dela. Também falava da voz, do cantar da Sophie, que tinha um timbre muito próximo dela. Isso foi um aval gigante — relata Dandara.
Sophie ressalta que há uma distância imensa de sua voz para a da Gal, mas que sempre amou cantar. Conforme a atriz, o papel foi um desafio imenso, mas, ao mesmo tempo, um processo bonito e profundo de aproximação e entendimento, de pesquisa e prática.
— É um filme que estou muito orgulhosa! — celebra Sophie. — Acredito muito que é um filme belo, que não foge das fragilidades de seus personagens. Estão todas ali e compõem a humanidade, ainda mostram ainda mais essa potência que a Gal era.
Sobre a opção pelo recorte de tempo para a cinebiografia, Dandara destaca que o filme se concentra justamente no momento de transformação de Gal, tanto pessoal como artista.
— Nos períodos subsequentes, ela já estava consolidada em seu lugar. Já virou Gal Costa — sublinha.
Lô corrobora. Ela realça que as duas focaram no “ouro da história” que tinham em mãos. No caso, a borboleta saindo do casulo.
— Optamos por apresentar esse desabrochar dela, essa furada de bolha — pontua Lô. — É mais interessante do que a narrativa clássica cinematográfica, de sair do desconhecido para chegar ao sucesso. Lidamos como se esse sucesso fosse a saída do casulo, de se colocar num lugar que talvez não fosse para uma personalidade como a dela. Era um contexto histórico muito difícil também. Um recorte perfeito para o cinema.