Ao longo das segundas-feiras de setembro, a série Veteranos traz trajetórias e reflexões de nomes seminais da música regionalista do Rio Grande do Sul. Além de um depoimento na capa do Segundo Caderno, os personagens também são apresentados em um quadro no programa Gaúcha+, no ar a partir das 15h, na Rádio Gaúcha. O quarto e último capítulo apresenta Euclides Fagundes Filho, mais conhecido como Bagre Fagundes, que completa 84 anos no próximo dia 3 de outubro.
Filho de Euclides Fagundes (1899-1981) e Florentina Fagundes (1902-1990), ele nasceu em Uruguaiana, mas cresceu no Alegrete ao lado de seis irmãos e cinco irmãs. Fez de tudo um pouco: foi do Exército, bancário, advogado, vereador e, entre outras atividades, jogou futebol e até apitou partidas. Mas é na música que seu legado se projetou para o mundo. Ao lado do irmão Antônio Augusto Fagundes, o Nico, compôs Canto Alegretense — uma das maiores músicas da história da cultura gaúcha. De seu casamento de 61 anos com Marlene nasceram Euclides (Neto), Ernesto, Luciana e Paulinho. Com seus filhos e sua tradicional cordeona, Bagre percorre todos os rincões tocando, cantando e celebrando em família.
Leia o último depoimento da série Veteranos
Para mim, minha mãe era professora. Embora fosse dona de casa, era ela quem nos ensinava tudo. Mas o pai também era muito professor. Extremamente honesto e trabalhador, morou muito tempo no campo. Foi peão de estância.
Ele ganhou a mãe dançando. Era um exímio dançarino, fazia sucesso nos bailes de campanha. Gostava uma barbaridade de música, mas não tocava nada. Dizem que cantava mais ou menos.
O pai promovia lá em casa a Hora da Arte. Ah, isso era sagrado! Quando recebia visitas em casa, à tardinha e antes da janta, sempre havia esse encontro. As filhas declamavam, e os filhos cantavam, o que agradava as visitas, normalmente parentes e compadres. No fundo, acho que essa Hora da Arte era mais para o pai.
Sempre fui louco pela minha namorada. Casei. Continuo apaixonado pela minha "véia". Tivemos filhos. Os guris cresceram, e começamos a cantar juntos. Cantávamos nas festas da família, especialmente. Toda hora tinha festa. Tudo era motivo para uma reunião, um carreteiro, um assadinho e violão. Meu pai gostava muito, estimulava. E o Neto, meu filho mais velho, era tão safado e sem-vergonha que, nos domingos, ia cantar para o avô depois do almoço. Ele morava a 20 metros do cinema. O pai já recebia com a mão no bolso, sabia que ia morder ele e ver um filme.
A música era uma coisa amadora para mim, praticamente. Criamos o Grupo Inhanduy, com Ernesto e Neto, mas a virada de chave aconteceu mesmo no festival Semana Crioula Internacional de Bagé, no começo dos anos 1980. Cantamos o Canto Alegretense, que agradou. Em seguida, apresentamos na 2ª Tertúlia Musical Nativista, em Santa Maria, e a história foi feita. Não conheço outra música que tenha um disco com quase 20 gravações (compilação lançada pela USA Discos, em 1998).
Subir ao palco com meus filhos é sempre emocionante. Mas sinto muito a responsabilidade de aparecer no palco com eles. Não por serem meus filhos, mas sim três artistas consagrados, que são Neto, Ernesto e Paulinho. Sempre tenho medo de falsear ou errar alguma coisa, ou não cumprir o roteiro estabelecido. Me sinto sobrecarregado. Sem falsa modéstia, me sinto um pouco abaixo deles, com medo de prejudicar a atuação deles. Até aqui, tenho me saído bem.
Recentemente, sofri uns problemas de saúde e não tenho sido o mesmo companheiro. Continuo indo, peleando. Sou feliz pelas amizades que a gente construiu, pelas terras que visitamos. Acidentes que escapamos. Estou aí, não tenho medo de envelhecer. O que eu tinha medo era de não envelhecer. Agora estou resignado, tranquilo, enfrentando as situações que vêm com a idade. Sempre muito apoiado pela família.
Ernesto, que acompanha a entrevista, interrompe: "O pai matou a pau no Theatro São Pedro! Fizemos em agosto o show De Filho pra Pai, sem banda nem nada, só acústico. Foi a ocasião que mais tocamos as músicas dele. Saiu ovacionado!".
Esse foi um dos shows que mais senti a responsabilidade. Pensava: não posso cometer uma cagada aqui! Mas todo mundo gostou. Eu olhava para meus filhos cantando e lembrava deles começando a cantar, pequeninos.
Ernesto, novamente: "A gente só larga a bola para o pai fazer gol".
Fico pescando, enquanto meus filhos jogam. Se cruzar uma bola boa… eu marco.