Ao longo das segundas-feiras de setembro, a série Veteranos traz trajetórias e reflexões de nomes seminais da música regionalista do Rio Grande do Sul. Além de um depoimento na capa do Segundo Caderno, os personagens também são apresentados em um quadro no programa Gaúcha+, no ar a partir das 15h, na Rádio Gaúcha.
O terceiro capítulo apresenta Heber Artigas Armua Frós, mais conhecido como Gaúcho da Fronteira. É um doble-chapa: nasceu no interior de Tranqueras, no Uruguai, viveu em Santana do Livramento e hoje está estabelecido em Porto Alegre. Aos 76 anos, ele ainda é o regionalista gaúcho vivo mais conhecido e vendido no Brasil. Também tem sua trajetória marcada pela criação de pontes entre diferentes culturas e ritmos musicais – Vanerão Sambado, Forronerão e Rock Bagual são exemplos.
Leia o terceiro depoimento da série Veteranos
Eu cantava muitas músicas do Teixeirinha, é verdade. Mas também cantava José Mendes e Gildo de Freitas. Mesmo assim, passaram a me chamar de Teixeirinha da Fronteira. Uma, duas, três vezes. Muitas. Lá pelas tantas, protestei para um locutor de rádio: “Não, meu nome não é Teixeirinha! É Gaúcho da Fronteira!”. Comecei a estabelecer meu nome.
Toco cordeona desde quando era guri de campanha. Lá pelos anos 1970, integrei Os Vaqueanos. Mas também fui capataz de estância. Me criei na lida campeira, no lombo do cavalo. Até hoje sou chegado nessa vida de campo.
Em Livramento, trabalhei um bom tempo como taxista e andava sempre com a cordeona no carro. Sempre. Quando era caminhoneiro também. Onde eu parava, fazia “xaraxaxá”. Estacionava nos pontos onde os caminhoneiros param, fazem boia e tomam mate. Pegava a cordeona e fazia uns versos, na beira do fogo, pois às vezes o friozinho incomodava.
Velho Milongueiro, um dos irmãos que nos deixou, me dizia: “Gaúcho, tu precisas ir para Porto Alegre. Aqui na fronteira, tu já és alguém, mas e lá em Porto Alegre? Por lá, vão te conhecer, te levar para rádio e televisão”.
E me mudei. Fui à Capital e encontrei o Leonardo, que recém havia saído dos 3 Xirús. Estava produzindo para a Copacabana (selo Beverly da gravadora paulista). Falei com ele para produzir meu primeiro disco. “E a tua banda?”, me perguntou. Não, quero gravar individual. “Trouxe fita?” Não, mas tenho repertório. Tenho violão e minha goela.
Gravei o primeiro disco, que saiu em 1976 e rodou muito bem. Escutei em Porto Alegre, em Floripa, em São Paulo. Fui me ajeitando e juntando meus versos. Gravei Nheco Vari Nheco Fum, em 1980, que rendeu o primeiro disco de ouro da minha carreira.
Quando lancei o Vanerão Sambado, alguns colegas não gostaram. “Mas como isso, o Gaúcho tal tal tal pá pá pá”. O meu jeito foi ficar quieto. Eu não mexo contigo, tu não mexes comigo. A coisa foi indo, indo e indo. Foi ganhando todo o Brasil.
Eu andei por essas querências prestigiando de tudo. Quando tu consegues lidar com meios musicais diferentes, fica melhor. Conheci o Lua (Luiz Gonzaga) desse jeito. Depois de alguns anos, Genival Lacerda gravou música minha. Os Brasas do Forró fizeram o mesmo. Fui incentivando essas amizades, com músicos de fora daqui, de outros estilos. Tonico & Tinoco, Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo. Todos sempre foram queridos comigo.
Graças a Deus, em qualquer lugar que a gente chega, tem uma sombra, água fresca e um abraço. Chega o Gaúcho da Fronteira e faz um barulho grande.
Como tenho 76 anos, não posso ficar me borboletando muito por aí. A gente tem que se cuidar, não cometer excessos de coisa nenhuma. Vou tocando o barco. Tocando, escrevendo e compondo. Tem mês que trabalho duas ou três vezes. Às vezes, uma ou duas. Às vezes, quatro. No Mês Farroupilha é quando mais trabalho.
Os anos vão passando e tu vais ficando mais pesado. Estou um pouquinho maltratado, tenho problema no joelho para caminhar. Resta se cuidar e tocar o barco.
Sigo fazendo a mesma coisa, com a mesma felicidade e com muito mais experiência. Com mais vida. E recebendo um carinho que não tem tamanho. Não dá para explicar o que é um homem de 70 ou 80 anos se abraçar em ti e chorar. Quem pode fazer isso aí? Eu faço e com maior alegria do mundo. Quero fazer até onde eu puder.