Não é para ser pejorativo. Ao batizar o quarto disco de Guaipeca, o cantor e compositor Leandro Maia quer fazer uma afirmação de seu espírito desapegado e de um jeito de estar nem aí para este mundo de fama, ansiedade por likes e insubordinação a algoritmos que só favorecem os já favorecidos. Ele apresenta as novas composições em Porto Alegre nesta sexta-feira (8), às 19h, no Teatro Oficina Olga Reverbel do Multipalco Eva Sopher (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto).
Até o modo de produção de Guaipeca é uma insurgência. Realizado graças a um financiamento coletivo, o trabalho será lançado somente em vinil, sem chance para que as músicas sejam dispostas uma a uma nas plataformas de streaming, em intervalos de meses, como fazem os que estão na moda. Maia quer outro tipo de engajamento do público. Que possa pegar o disco na mão e ouvir numa sentada só, captando toda a sua filosofia.
— Não quero aceitar a coleira do algoritmo. Não quero ser julgado pelo número de views e plays. Os 250 vinis que produzi com a campanha de financiamento coletivo, dando a chance de a pessoa pegar meu trabalho na mão, não tem comparação com esses números de views — diz o artista cinco vezes premiado no Açorianos de Música, inclusive pelos discos anteriores, Palavreio (2008), Mandinho (2013) e Suíte Maria Bonita (2014).
Identidade
São 12 canções inéditas e bem-humoradas, mesmo quando contestadoras. A faixa-título é uma exaltação à liberdade de pensamento e de estilo de vida, com uma alfinetada à situação política que o Brasil viveu até pouco tempo atrás. "Guaipeca não tolera general/ Guaipeca nunca se alista", canta Maia. Mas por que guaipeca e não vira-lata?
— Guaipeca é uma palavra regional, do Rio Grande do Sul. A maioria das pessoas no Brasil não sabe o que significa guaipeca. É uma palavra de matriz indígena, do tupi-guarani, que designa também outra palavra muito regional, que é cusco —explica o músico.
Vira-lata também remete a uma ideia de inferioridade brasileira, enquanto Maia quer celebrar o latino não domesticado. Foi nas andanças pelo mundo que se deu por conta do seu guaipequismo. Em 2015, enquanto preenchia o formulário de admissão do doutorado em música na Bath Spa University, na Inglaterra, precisou identificar sua identidade étnica. Como havia dezenas e dezenas de opções contemplando etnias que ficam acima da Linha do Equador, teve de marcar um "x" em "outra origem mista qualquer". Mas fez questão de escrever ao lado: latino-americano.
Uma das melhores músicas de Guaipeca foi criada causando choque cultural justamente no doutorado na Inglaterra. Raining in Cahuita é uma homenagem a Walter Ferguson, considerado o Rei do Calypso na Costa Rica, a quem Maia teve a chance de conhecer em uma visita ao país em 2008. Escrita em inglês durante uma oficina de composição, a letra que fala sobre "a chuva lembrar o suor da amada" gerou nojinho entre os colegas.
— Para os ingleses, foi um escândalo. O sweat, suor da amada que estou celebrando, eles acharam disgusting, rude, nojento. Para eles, a sensação da palavra sweat é desagradável. Olha o choque cultural que representa. Porque, para o Ferguson, na Costa Rica, o que mais se faz é celebrar o calor e o suor e o cantar — reflete Maia.
Outra forma de desfrutar do guaipequismo de Maia é assistir ao documentário Paisagens, disponível em seu YouTube, feito logo depois de ele voltar da Inglaterra, em 2019. Era para ser um filme-disco, com todas as músicas de Guaipeca executadas enquanto exibia paisagens de Pelotas, onde vive e leciona no bacharelado em Música da UFPel. Acabou sendo algo mais curto, e só há quatro canções do novo trabalho no road movie em que o cantor e compositor aparece cantando, tocando, falando da vida e andando em um fusca.
— Moro no Laranjal, na beira da Lagoa dos Patos, e no filme mostro essa minha Pelotas da Colônia de Pescadores Z3. Senti uma falta tremenda disso aqui — conta ele.
No show desta sexta em Porto Alegre, Maia terá as companhias especiais do cantor e compositor Marcelo Delacroix, do poeta Ronald Augusto, da artista e companheira Maria Falkembach e do músico João Marcos "Negrinho" Martins. Depois, ele segue para uma turnê pela Costa Rica, com shows nas cidades de Heredia, San José e Alajuela.
O disco
Guaipeca, de Leandro Maia
12 faixas, LP R$ 150, à venda pelo direct do perfil do instagram @leandromaiacompositor e pelo e-mail contato@leandromaia.com.br. Também é possível solicitar acesso virtual às músicas gratuitamente. O disco não será lançado em plataformas digitais.
O show
- Nesta sexta-feira (8), às 19h, no Teatro Oficina Olga Reverbel no Multipalco Eva Sopher (Praça Mal. Deodoro, s/nº), em Porto Alegre
- Ingressos a R$ 80, à venda no site do Theatro São Pedro