Projetos gaúchos que foram contemplados para receber recursos do edital Natura Musical correm o risco de perder o patrocínio conquistado por conta de mudanças nos critérios para aprovação na Lei de Incentivo à Cultura (LIC), que funciona como intermediária do financiamento disponibilizado aos selecionados. As alterações também vêm ameaçando a realização de outros eventos tradicionais no Estado, tais quais a Feira do Livro de Porto Alegre, os Festejos Farroupilhas e o festival Musicanto, de Santa Rosa.
Neste ano, o edital Natura Musical selecionou seis projetos do Estado: os festivais O Bronx e GFilms Rap, o espetáculo Ialodê e a gravação de álbuns dos artistas Luiza Hellena, Paula Posada e 50 Tons de Pretas. Contudo, para receber o aporte financeiro disponibilizado pela empresa, os projetos necessitam de aprovação na LIC, o que ainda não ocorreu para nenhum dos seis.
Dois deles, o álbum do duo 50 Tons de Pretas e o festival GFilms Rap, gabaritaram os requisitos para aprovação definidos pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC), mas ficaram de fora do grupo que avançará no acesso aos recursos. Isso porque, com um número grande de propostas avaliadas com nota máxima, os dois projetos perderam a vaga em razão do novo critério de desempate adotado: neste ano, a LIC passou a priorizar propostas pertencentes a municípios que não receberam aportes da lei de incentivo nos últimos 12 meses.
Além disso, diferentemente do que ocorria até o ano passado, a LIC deixou de priorizar os projetos que já têm patrocínio privado garantido, como é o caso dos selecionados pelo edital Natura Musical. Na prática, as mudanças acabaram por inviabilizar a aprovação de projetos sediados em cidades como Porto Alegre, que sempre concentrou a maior parte dos recursos, além de desconsiderar os patrocínios já garantidos.
A artista Grazi Pires, integrante do duo 50 Tons de Pretas, teme perder o financiamento conquistado no edital Natura Musical por conta do impasse. Ela critica as mudanças estabelecidas pelo Conselho Estadual de Cultura:
— Na tentativa de incluir o Interior, eles foram do oito ao 80. Se antes os projetos de cidades pequenas sempre ficavam de fora, pois era muito mais difícil conseguir aprovação, agora os de Porto Alegre estão sendo totalmente prejudicados. Sem falar que, com isso, você deixa de fora trabalhos que têm um legado reconhecido, têm garantia de recursos, para priorizar outros que nem se sabe se conseguirão patrocínio. Está faltando um bom senso.
O que dizem o CEC e a Sedac
A LIC tem um sistema de seleção feito por lotes (a cada lote, um número de projetos é selecionado para receber o valor disponibilizado para o período estipulado) e envolve dois entes: o CEC e a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac). A pasta estadual estabelece as regras, prazos de inscrição, plataforma e os tetos por linha de projeto. Já o conselho é o responsável por criar um ranking, que somará valores até o limite estabelecido pela Secretaria.
Conforme a Sedac, o impasse começa no número de projetos inscritos na LIC em 2023, que é superior ao recurso disponível. A pasta afirma que o cenário de busca por verbas da Lei de Incentivo aqueceu após o governo do Estado duplicar os repasses destinados a leis de incentivo a partir de 2019, passando de R$ 35 milhões para R$ 70 milhões o valor anual.
A presidente do Conselho Estadual de Cultura, Consuelo Vallandro, explicou a GZH que a entidade não esperava um número tão superior de inscritos, o que acabou por demonstrar fragilidades no atual sistema de avaliação. Segundo ela, os critérios de pontuação que estão garantindo nota máxima para uma grande quantidade de projetos foram criados ainda na última gestão e mantidos por conta da objetividade. Porém, com boa parte dos solicitantes "gabaritando" a avaliação, o desempate por "município que menos recebeu recursos da LIC nos últimos 12 meses" ganhou um peso maior do que o esperado.
Já sobre a ausência de dispositivos para priorizar projetos que têm garantia de patrocínio, mudança que entrou em vigor neste ano, a presidente do CEC justifica que a alteração foi decorrente de uma demanda da comunidade cultural:
— Em janeiro, foi aberta uma audiência pública pela Sedac para saber o que os produtores culturais pensavam a respeito da LIC. Uma das reclamações era justamente a da exigência da intenção de patrocínio, então ela deixou de existir. Foi uma decisão baseada na escuta.
Consuelo afirma que o Conselho Estadual de Cultura está buscando formas de contemplar os projetos que obtiveram nota máxima na última avaliação, mas ficaram de fora por conta do critério de desempate — como é o caso de dois dos seis projetos gaúchos contemplados pelo Natura Musical, 50 Tons de Pretas e GFilms Rap Festival. A entidade solicitou uma suplementação de R$ 11 milhões à Casa Civil, mas o repasse foi negado. Nesta sexta-feira (14), uma plenária foi realizada para discutir a situação e, na segunda (17), uma nova reunião será feita para debater outras alternativas.
Já para propostas que não atingiram nota máxima ou não foram aprovados nos lotes anteriores da LIC, caso dos outros quatro gaúchos selecionados pelo Natura Musical, há ainda a possibilidade de inscrever-se, até 31 de julho, no último lote do ano, passando novamente pela avaliação. Nesta leva, R$ 20 milhões serão disponibilizados. Caso não consigam novamente a aprovação, os projetos perderão o recurso do edital da Natura.
O que diz a Natura
Em nota enviada a GZH, Natura Musical afirmou ter conhecimento da situação enfrentada pelos projetos gaúchos e disse ter flexibilizado o regulamento. Conforme a plataforma de fomento, os projetos "têm um período de até seis meses para apresentarem a aprovação na lei de incentivo estadual, porém, considerando o caso dos projetos do RS, a plataforma abriu uma exceção e flexibilizou o prazo para que pudessem ser reavaliados dentro do processo de aprovação da LIC".
Além disso, a Natura Musical disse ter enviado uma carta ao Conselho Estadual de Cultura "endossando a intenção de patrocínio aos projetos, explicando os critérios de avaliação do edital Natura Musical e reforçando o impacto cultural e local que esses projetos apresentam”. A plataforma ainda lamentou a situação e reiterou que a decisão final a respeito da aprovação na LIC não é de competência do edital Natura Musical.