É raro ver uma banda brasileira de pop rock completar 30 anos ininterruptos. Mais ainda lançando disco com inéditas. Mais ainda fazendo música com críticas endereçadas quando é mais garantido evitar falar de política para não criar desafetos. Esse é o Pato Fu, que escolheu Porto Alegre para abrir a turnê comemorando três décadas de estrada.
Quando subirem ao palco do Araújo Vianna às 21h desta sexta-feira (7), a vocalista Fernanda Takai, o guitarrista John Ulhoa, o baixista Ricardo Koctus, o baterista Xande Tamietti e o tecladista Richard Neves vão repassar clássicos que marcaram a história da banda, como Perdendo Dentes, Canção pra Você Viver Mais, Sobre o Tempo e Depois. Quanto a isso, os fãs podem ficar tranquilos (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto).
Mas também apresentarão composições do mais novo álbum, batizado de 30, cheio de músicas novas e já disponíveis no streaming. Algumas incomodativas, como Silenciador, direcionada a grupos que pregam o ódio e a exclusão, apesar de se travestirem de cristãos. "Mais um milagre na capela/ Da fé brotou um empreendedor/ Deus fala pelo cano de meu revólver/ E a Bíblia é o meu silenciador/ Tá tudo bem, tá tudo lindo/ Seguindo na paz do Senhor/ Domingo é dia de treinar minha pontaria/ Minha visão noturna e meu santo protetor".
Uma letra dura, camuflada pela terna voz de Fernanda Takai, mostrando que a banda não só segue afiada e com vontade de fazer rock como não está a fim de fingir que não sabe o que acontece no mundo.
— Silenciador é uma música que serve para mostrar o nosso lado, o lado da banda. É sobre um tipo de igreja que prega a violência e prega a exclusão. Não é de Jesus, né? Emprego a minha voz para passar uma mensagem dura. Que não tenham dúvida sobre o lado em que o Pato Fu está. Vai demorar um tempinho para nos livrarmos da política do ódio, da exclusão e da bala.
Há outra canção provocativa no disco, embora não tenha sido incluída na turnê de aniversário. A Besta foi composta por Koctus antes do segundo turno de eleições e é, garante Fernanda, dirigida a Jair Bolsonaro. "A besta lá vem/ Vestida do bem/ Com armas nas mãos tudo em nome de Deus/ Meu Deus! Quem deixou essa besta escapar?/ Meu Deus! Fico besta da besta falar".
Não é o Pato Fu das baladas que aparecem em novelas da Globo, como Ando Meio Desligado, regravada dos Mutantes e tema de Um Anjo Caiu do Céu (2001), mas é o Pato Fu insurgente do disco Gol de Quem? (1996), que fez músicas como Vida de Operário: "Braços na máquina operando a situação/ Crescimento da produção e o lucro é do patrão/ Semana é do patrão, ganância é do patrão e o lucro é do patrão".
Houve quem tenha se incomodado com a letra de A Besta e teria deixado de gostar do Pato Fu, mas a banda não se amedronta.
— O papel do Pato Fu é fazer um álbum como Música de Brinquedo, que ninguém faria, e lançar músicas que ninguém lançaria hoje por medo de perder público — pontua a cantora.
Preservar a autonomia mesmo tendo alcançado a popularidade é uma marca da banda formada em 1992, em Belo Horizonte (MG), e que sempre viveu, como Fernanda define, entre o indie e o mainstream. Foram 13 discos gravados, alguns de forma independente e outros em uma grande gravadora como a BMG, que lançou boa parte dos trabalhos de maior sucesso. Alguns com baixa saída, como Não Pare pra Pensar (2014), e outros como Música de Brinquedo (2010), que acumula paradoxos: gravado com selo próprio, com instrumentos de brinquedo, vencedor do Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Infantil e Disco de Ouro pelas 40 mil cópias vendidas.
O papel do Pato Fu é fazer um álbum como "Música de Brinquedo", que ninguém faria, e lançar músicas que ninguém lançaria hoje por medo de perder público
FERNANDA TAKAI
Vocalista do Pato Fu
Resumidamente, o Pato Fu sabe fazer música para embalar beijo na televisão e música que cutuca tanto a ferida que corre o risco de alguém na plateia torcer o nariz.
— Uma parte de nós é experimental e outra parte é pop. E isso nos fez chegar aos 30 anos. Fazendo o som que a gente faz, acho que somos sobreviventes na cena artística. O negócio é não se deixar anestesiar nem pelo sucesso e nem pelo fracasso — diz Fernanda.
Pato Fu 30 anos
- Nesta sexta-feira (7), às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre. A casa abre às 19h30
- Ingressos a partir de R$ 180 (inteiro) ou R$ 95 (solidário, mediante a doação de 1kg de alimento não perecível) no Sympla, ou na bilheteria do Araújo, duas horas antes do início do show