— Às vezes me perguntam: "Borges, tu não cansa, não?". Não, não canso. Tô louco pra fazer mais um monte de coisas ainda (risos).
É assim, com o entusiasmo de um guri prestes a descobrir a vida, que o nativista Luiz Carlos Borges chega aos 70 anos. Destes, 60 foram em cima do palco, onde o músico esteve sempre acompanhado da sua fiel escudeira, a gaita. É ao lado dela e dos amigos que conquistou pela estrada que Borges celebrará as duas efemérides neste sábado (25) no Rancho Tabacaray, em Porto Alegre.
Antes, na sexta à noite, haverá um evento reservado para familiares e amigos próximos do músico. A festança aberta ao público será no sábado, quando Borges receberá os fãs para um dia inteiro de atividades dedicadas a celebrar os seus 70 anos de vida e 60 de carreira. Serão 12 horas de programação, das 10h às 22h, com bate-papos sobre música, roda de chimarrão e shows no estilo canja, com nomes como Renato Borghetti, João de Almeida Neto, Daniel Torres, Shana Müller, Joca Martins, Érlon Péricles e Os Fagundes.
O evento, batizado de Chama-me Borges: O que Tem que Ser Dito, funcionará em clima de reunião entre amigos. Eles, conforme Borges, são a riqueza construída ao longo das suas seis décadas de estrada ("Nunca me preocupei em fazer dinheiro", diz). O músico se orgulha dos laços criados com colegas da música nativista, alguns deles quase familiares, e do trânsito fácil que tem com representantes de outros estilos musicais.
— Eu posso tocar com um "índio véio" do rincão a vaneira mais xucra possível e, saindo dali, tocar com Humberto Gessinger, com o Nenhum de Nós ou com uma escola de samba, como já toquei — orgulha-se. — A gente pode voar para onde quiser com a arte, desde que tenha um chão para pisar. Eu busco sempre manter um pé na raiz regional. O outro pé pode ir para onde quiser, mas um sempre estará ali. Esse é o cuidado que o Borges com 60 anos de música tem: manter o pé no chão e sempre deixar a sua marca aonde for — reflete o músico.
A marca de Luiz Carlos Borges para a cultura gaúcha é incontestável. O artista subiu ao palco pela primeira vez aos nove anos de idade, em 10 de outubro de 1962, e nunca mais saiu. Além de atualmente ser um dos nomes com mais tempo de carreira na música regionalista, Borges tem 35 álbuns, 269 composições e 720 gravações registradas no Ecad, o órgão responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil. São números enérgicos.
O músico também deixa sua marca na forma de tocar gaita. Borges tem um estilo próprio de conduzir e compor com o instrumento, misturando referências das músicas de baile, das canções homéricas dos festivais e de ritmos como o jazz e o blues. Também é amante inseparável da improvisação, mas concorda que sua característica mais marcante como instrumentista é a intensidade.
— Eu não sei pegar a cordeona sem ser de forma séria. Não me divirto com o instrumento, eu choro com ele. É esse o jeito que eu sei tocar: chorando por dentro. Penso que se eu acreditar no que estou tocando, com certeza chegarei no coração das pessoas — diz Borges.
Ele quase precisou se despedir do instrumento em 2019, quando sofreu um aneurisma na aorta e ficou 85 dias internado no hospital, sendo 70 na UTI. Foi necessário reaprender a andar, a falar e a viver com autonomia. Diante das limitações físicas, Borges diz que sua menor preocupação era a gaita, mas confessa que rezava para que, se um dia pudesse voltar a tocar o instrumento, que fosse para voltar fazendo bonito.
A prece foi atendida. Depois de um período de readaptações, Luiz Carlos Borges voltou aos palcos em julho do ano passado, abraçado na cordeona. Precisou mudar um pouco a forma de tocar, pois ficou com limitação de movimento na mão esquerda, mas segue colocando em prática as características que o alçaram ao hall de grandes gaiteiros do país.
O peso do instrumento também se tornou algo delicado para o artista, pois a cordeona padrão usada por ele pesa mais de 15 quilos. Sem poder fazer grandes esforços, Borges criou uma espécie de ritual com os músicos que integram a sua banda, Yuri Menezes (violão seis cordas) e Neuro Junior (violão sete cordas). Primeiro, ele senta no palco e, quando está acomodado, Yuri lhe alcança o instrumento. Quando ele não está, Neuro é quem cumpre o rito. É uma simbologia que emociona Luiz Carlos Borges.
— Quando o Yuri me alcança o instrumento, a cara dele diz que ele está feliz, não é como se estivesse pensando "que saco ter que alcançar coisa para esse velho". Ele não me atira a gaita, sabe? Ele me derrama ela no colo. O Neuro, quando tem que sair comigo sozinho, faz a mesma coisa — conta Borges. — É algo muito bonito. Eu me emociono, pois percebo que esse cuidado não cai de maduro, é mais um fruto do que plantei ao longo desses 60 anos de música. Isso me fortalece uma barbaridade — reflete o músico.
Chama-me Borges: O que Tem de Ser Dito
- Neste sábado (25), das 10h às 22h, no Rancho Tabacaray (Av. Vicente Monteggia, 2.770), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 100, disponíveis na plataforma Sympla
Programação
- 10h - Roda de chimarrão com Antônio Costaguta e Luiz Carlos Borges
- 11h - Roda de conversa e música "60 anos de música e 70 anos de vida: O que tem que ser dito", com Luiz Carlos Borges, Juarez Fonseca, Vinicius Brum e Antônio Costaguta
- 12h - Roda de conversa e música "A influência de Luiz Carlos Borges no Acordeom", com Roger Lerina, Renato Borghetti, Paulinho Cardoso e Oscar dos Reis
- 14h - Roda de conversa e música "A influência de Luiz Carlos Borges no violão", com Paulinho Fagundes, Marcello Caminha, Yuri Menezes e Matheus Alves
- 16h - Roda de conversa e música "Viagem pela caminhada musical de Luiz Carlos Borges", com Shana Müller, Vinicius Brum, Roger Lerina, Joca Martins e Juarez Fonseca
- 18h - Roda de conversa e música "Histórias e Canções", com Daniel Torres, Érlon Péricles, Juliana Spanevello, Mauro Ferreira, João de Almeida Neto e Angelo Franco
- 20h - Canjas musicais no palco