Uma publicação em uma rede social, feita pelo professor de filosofia Renato Levin-Borges, conhecido como Judz, na última terça-feira (14), desencadeou uma série de acusações e, também, de defesas para a banda norueguesa Mayhem, que se apresentaria no Bar Opinião, em Porto Alegre, na próxima terça-feira (21). Nesta quinta-feira (16), o show foi cancelado e os valores dos ingressos serão devolvidos, segundo a produtora.
Em sua postagem, Judz mostra imagens que relacionariam o grupo com o nazismo, além de afirmar que o baterista da banda, Hellhammer, já declarou ser contra a "mistura de raças", que o mesmo já apareceu com uma suástica no braço e que, também, os membros do grupo costumavam ensaiar em estúdio "cheio de totenkopf nazis" — símbolo de caveira adotado pelos nazistas.
O professor ainda fez um fio no Twitter, colocando mais pontos que ligariam a banda ao nazismo, além de questionar o Bar Opinião sobre a banda tocar em seu espaço, trazida pela produtora Ablaze. De acordo com Judz, ele é um pesquisador da extrema-direita e já conhecia a história do grupo e, quando o anúncio de que eles iriam fazer show em Porto Alegre chegou até ele, através de coletivos antifascistas, ele decidiu fazer a denúncia em suas redes sociais.
— O meu objetivo sempre foi averiguar se a banda mudou de postura. Ela tem um passado ligado ao neonazistas e foi a partir daí que eu acabei fazendo a denúncia, assim como outras pessoas e outros coletivos, mas o meu acabou sendo a base e, depois, amplificou — explica o professor.
O caso ganhou ainda mais proporção ao chegar ao deputado estadual Leonel Radde (PT), que fez um vídeo mostrando as imagens coletadas por Judz e afirmando que a banda é "abertamente neonazista".
Radde, em sua declaração, também pressionou o Opinião e a Ablaze a cancelar o show e disse que levaria o caso para as autoridades. A publicação do deputado gerou apoio a sua iniciativa, mas, também, críticas de que as acusações seriam infundadas e que a banda não defende ideais neonazistas (leia mais abaixo).
Em conversa com GZH, Radde disse que registrou um boletim de ocorrência contra a apresentação do grupo, alegando que a banda apresenta falas racistas e de alusão ao nazismo como uma forma de incentivar o público a seguir tais pensamentos:
— É uma forma do que a gente chama de apito de cachorro, para incentivar o público, no qual tu não é abertamente nazista, mas se utiliza de símbolos para propagar uma questão ideológica, mesmo que de uma forma indireta. Para a gente, isso é apologia ao nazismo e a utilização de simbologia, sim, o que é vedado na nossa legislação.
Judz, por sua vez, destaca que não era o seu objetivo pessoal o cancelamento do show da banda, mas uma retratação por parte dos membros do grupo, destacando que não simpatizam com os ideais neonazistas:
— Na minha perspectiva como pesquisador, seria bem mais produtiva uma retratação da banda, com uma postura bem aberta e bem clara sobre o tema.
O cancelamento
Procurado por GZH, o produtor Leonardo Schneider, sócio-proprietário da Ablaze Productions, responsável por trazer o grupo para Porto Alegre, afirmou que optou pelo cancelamento do show para não colocar em risco a integridade física do público, dos funcionários do Opinião e, também, da própria banda. De acordo com ele, ameaças foram feitas nas redes sociais contra quem fosse ao show.
Para Schneider, houve um grande equívoco por parte daqueles que acusam a banda de seguir a ideologia neonazista. E, de acordo com ele, pessoas ligadas ao movimento de esquerda e, também ao metal, que conhecem a trajetória da banda, estão se solidarizando com o caso, mas, após conversas com a polícia, a decisão foi o cancelamento, visando o bem-estar de todos.
— É uma situação muito grave. E que não condiz com a história da banda, que se apresenta em lugares como Israel e Alemanha, que têm tolerância zero com o nazismo. É um grande equívoco essa acusação — destaca o empresário, que aponta o baixo cachê pedido pela Mayhem para vir tocar na Capital, o que desmancharia a acusação de que o grupo se apresenta na América Latina apenas por dinheiro. — Iriam vir quase de graça, só pelo prazer de tocar aqui.
O produtor ainda destaca o seu histórico de trazer para a Capital bandas punk e ligadas ao movimento de esquerda, como uma declaração política de que ele não daria espaço para uma banda neonazista. Porém, diz acreditar que o estrago já foi feito:
— Além do prejuízo financeiro, terei o prejuízo de imagem, de credibilidade, que conta muito neste meio. Meu nome vai ficar ligado a esta situação como "o cara que queria trazer a banda nazista para Porto Alegre", o que não é verdade.
Divergências
Jornalista, ex-membro do coletivo Preto no Metal e atuante da cena black metal do Estado, Peter Jaques conta que há pessoas que compactuam com ideais nazistas dentro do metal extremo. Entretanto, ele ressalta que uma de suas principais bandeiras é expurgar esses indivíduos do meio. E, em relação à banda Mayhem, as acusações são descabidas.
Segundo Jaques, os acusadores não têm conhecimento sobre a cena e as imagens utilizadas para embasar as denúncias vieram de páginas que odeiam o black metal, por ser um estilo que prega o anticristianismo e tem letras mais obscuras. Porém, o jornalista aponta que não existe uma música sequer da Mayhem que exalte o nazismo.
Sobre as fotos utilizadas no fio de Judz e nos vídeos de Leonel Radde, Jaques aponta que, por exemplo, a primeira, que mostra um dos membros com uma suástica nazista no braço, sim, é real, mas é antiga e fora de contexto. Na época, segundo o jornalista, era normal músicos de metal utilizarem o símbolo como forma de chocar a sociedade — e isto, de acordo com ele, aconteceu no mundo inteiro.
As declarações homofóbicas e antimiscigenação que aparecem nas denúncias, segundo Jaques, foram recolhidas da época em que o black metal estava em efervescência na Noruega, entre os anos 1980 e 1990, mas que já não condizem com a realidade atual da banda. Ele ainda ressalta que tais falas eram proferidas por vários nomes que, hoje, integram o movimento contra o fascismo.
Jaques ainda fala que Varg Vikernes foi um membro da banda, logo nos primeiros anos do grupo, e este, sim, compactua com ideais nazistas e de supremacia branca. Porém, ele foi expulso do Mayhem por ter brigado com o fundador do grupo, o guitarrista Øystein Aarseth, o Euronymous, e matado ele com mais de 20 facadas.
— A morte ocorreu por divergências musicais e, também, por divergências de ideologias políticas. O fundador do grupo era comunista e integrava a juventude do Partido Socialista Norueguês. Ele era do partido. Inclusive, ele tinha a ideia de fazer da sua gravadora uma forma de cooperativa baseada nos moldes socialistas — explica Jaques.
Outro ponto que ele ressalta é de que o casaco mostrado nas imagens das denúncias, que traz símbolos nazistas, faz parte de um site chamado TShirtSlayer, no qual cada um pode personalizar a roupa como quiser — mas, ele afirma, no material oficial da banda não existe nenhuma simbologia ao neonazismo. Já a foto em que todos aparecem como se fossem soldados alemães da Segunda Guerra Mundial, Jaques aponta que era material de divulgação de um clipe do grupo, o qual denunciava justamente a ascensão do nazismo.
O jornalista também reforça que o grupo já se apresentou, em 2020, na maior casa de shows de Tel Aviv, em Israel:
— Agora, eu pergunto, uma banda que é assumidamente nazista conseguiria ter uma circulação tão fácil assim dentro de Israel, sem que o governo tomasse uma providência? Não faz sentido. As pessoas estão perdendo totalmente a noção de que a internet, hoje, é um canhão de transformar qualquer informação em uma coisa que não tem mais controle. E isso fugiu do controle.
O professor Renato Levin-Borges, o Judz, entretanto, destaca que as imagens que ele colocou em sua postagem "são fatos", bem como as declarações e as fotos:
— Eu não sei como se descontextualiza uma pessoa usando uma suástica.
Judz ainda aponta que a banda, que tem um histórico ligado ao neonazismo, nunca negou tais questões ou afastaram objetivamente essa pecha:
— Acho equivocado justificar que faz muito tempo e que eles deixaram essa ligação com o neonazismo, porque, efetivamente, não há indícios disso. Não há indícios nem que eles mudaram nem que eles não mudaram. Portanto, seguem as acusações.
A banda Mayhem finalizaria no Brasil a sua turnê pela América Latina, fazendo um show em Porto Alegre na terça-feira e, no dia seguinte, se apresenta em Brasília, onde o grupo seguia confirmado até o fechamento desta matéria.