Tudo começa com as batidas de um coração. Com pouco mais de um minuto, a vinheta instrumental Speak to Me traz algumas representações sonoras do que ouviremos no disco — como os relógios de Time e as caixas registradoras de Money. Também há um som de helicóptero e retalhos de falas e risadas, que permeiam outros momentos do álbum. Um caos se arma nos segundos finais para desembocar na calma lânguida de Breathe (In the Air).
No dia 1º de março de 1973, The Dark Side of the Moon chegava às lojas. Era o oitavo disco de estúdio do Pink Floyd. Quem posicionasse a agulha no vinil escutaria aquelas batidas de coração. E muita gente ouviu aquele som.
Segundo informações do livro The Dark Side of the Moon — Os Bastidores da Obra-Prima do Pink Floyd (editora Zahar), publicado por John Harris em 2005, o disco teve cerca de 30 milhões de unidades vendidas no mundo todo. Chegou a permanecer 724 semanas nas listas de álbuns mais vendidos dos Estados Unidos. O livro aponta também que na Inglaterra, país natal da banda, estimava-se que uma em cada cinco residências possuía o álbum. Aliás, a revista britânica Q declarou que, com tantas cópias vendidas, era "virtualmente impossível que se passe um minuto sem que Dark Side toque em algum lugar do planeta".
Um dos discos mais importantes da história do rock e da cultura pop, com uma das capas mais icônicas e reconhecidas — um prisma atravessado por um raio de luz que se transforma em arco-íris —, The Dark Side of the Moon é o momento de entrosamento máximo de ideias entre Nick Mason (bateria), Roger Waters (baixo e voz), David Gilmour (guitarra e voz) e Richard Wright (teclados e voz). Depois dali, as coisas não seriam mais as mesmas, com Waters controlando a banda criativamente até sua saída em 1985 — mas deixando petardos pelo caminho, como Wish You Were Here (1975), Animals (1977) e The Wall (1979).
No documentário Classic Albums: The Dark Side of the Moon (2003), Gilmour conta que o trabalho começou a ser gestado em um depósito que pertencia aos Rolling Stones, no bairro londrino de Bermondsey. Por lá, o Pink Floyd realizava jams que dariam origem às composições do disco. Aliás, as faixas de Dark Side entraram no repertório das apresentações que a banda realizou enquanto gravava o álbum — entre junho de 1972 e janeiro de 1973. Então, o grupo também aprimorava as músicas no palco.
Dark Side apresenta temas universais, como morte, insanidade, ganância e guerra. Contudo, o trabalho também porta vestígios autobiográficos de Waters, como a morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial e os problemas mentais que acometeram Syd Barrett, ex-líder do Pink Floyd que deixou a banda em 1968. O que amarrava tudo isso, como ressalta Waters no livro de Harris, era a ideia de que "a disfunção, a loucura e os conflitos poderiam ser reduzidos quando as pessoas redescobriam a única característica fundamental que tinham em comum", no caso, "o potencial para reconhecer a humanidade do outro, e sua resposta a isso com empatia".
No entanto, ao longo das décadas houve diferentes interpretações sobre o álbum. A teoria mais famosa indica que o álbum teria sido criado como trilha sonora secreta para O Mágico de Oz (1939), pois as músicas estariam sincronizadas com o filme. Porém, Waters planejou que as letras de Dark Side fossem indiscutivelmente diretas e simples.
Por exemplo, Money, que conta com uma linha de baixo memorável e seus loops de caixas registradoras, trata de cobiça e dinheiro sujo. Marcada por uma enxurrada de relógios, Time reflete sobre o desperdício da existência afastado daquilo que é importante. Breathe avisa que não devemos ter medo de nos importar com os outros ("Don't be afraid to care"). Us and Them aborda os conflitos e questiona se a raça humana é capaz de ter humanidade. Brain Damage, que versa sobre saúde mental, traz alusões a Barrett. No final da épica Eclipse, ouvem-se batidas de um coração novamente, como se o ciclo da vida se completasse.
Revolucionário e contemporâneo
Após 50 anos, Dark Side é um disco importante e atual. Como Classic Albums mostra, o trabalho realizado com o engenheiro de som Alan Parsons dava uma prévia do que seria o som do futuro, com todos os loops, sintetizadores e efeitos sonoros. É o que observa também o comunicador da Rede Atlântida e da 102.3 FM Lelê Bortholacci:
— Eles foram inovadores com o que fizeram na questão da música orgânica se transformando também em música eletrônica. Acima de tudo, a sensibilidade dos músicos e a forma como isso foi passado para as melodias de um disco que segue absolutamente atual e influenciou incontáveis coisas que vieram depois.
O jornalista Márcio Grings ressalta também que as letras de Dark Side seguem atuais. Ele pondera que o álbum versa sobre dilemas do mundo contemporâneo, não apenas vigentes nos anos 1970.
— Sobretudo, o sumo do que é narrado e tocado ali continua valendo e ainda reluz como uma joia verdadeira e atemporal — atesta Grings. — Apesar de tocar em temas bem complexos, a carga emocional das letras não é pretensiosa, pois tudo soa translúcido e pode ser facilmente entendido e conectado à vida do ouvinte mais atento.
Além de dialogar com o presente, Dark Side ainda pode surpreender cinco décadas depois. É o que realça Julio Fürst, comunicador da 102.3 FM:
— Até hoje boto para rodar o vinil e descubro novos detalhes, nuanças sonoras e harmônicas que tornaram Dark Side of the Moon um dos álbuns mais vendidos e elogiados de todos os tempos. Um autêntico imortal!
Celebrando os 50 anos
Entre as comemorações do quinquagésimo aniversário do disco, o Pink Floyd deve lançar um novo box de Dark Side, previsto para 24 de março. O pacote irá incluir CD e vinil, além de áudio blu-ray + DVD com mixagem 5.1 original e versões estéreo, um blu-ray adicional do mix Atmos, além do CD e LP de The Dark Side of the Moon – Live at Wembley Empire Pool, London, 1974. No pacote também haverá réplicas dos dois singles da banda: Money com Any Color You Like no lado B e Us and Them com Time no lado B.
O box conta também com o livro Pink Floyd – The Dark Side of the Moon: 50th Anniversary. Com curadoria da fotógrafa Jill Furmanovsky e direção de arte de Aubrey Powell, a obra apresenta fotografias raras e inéditas tiradas durante as turnês de 1972 a 1975. Por fim, a caixa traz pôsteres, adesivos e uma réplica do panfleto da EMI de 1973 e um convite para ver The Dark Side of the Moon no Planetário de Londres.
Aliás, pode ser que vejamos um novo ângulo do disco. Em fevereiro, Roger Waters disse ao jornal The Telegraph que está regravando Dark Side, mas sem a presença dos outros integrantes do Pink Floyd. O músico e produtor Gus Seyffert, parceiro de longa data do músico, e sua namorada, a cantora Bedouine, são as principais colaborações do projeto. Entre as novidades que foram comentadas até o momentos estão poemas de Waters, que devem aparecer por cima dos instrumentos originais, como On the Run. Ainda não há data prevista para o lançamento da nova versão do álbum. (Leia outros depoimentos aqui.)