A série Ao Pé da Letra explora músicas emblemáticas produzidas por artistas do Rio Grande do Sul. Nesta edição tributo, o projeto foca em clássicos regionalistas de artistas que já partiram. O terceiro episódio da nova temporada aborda Vá Embora Tristeza, de José Mendes.
Em Vá Embora Tristeza, o cantor, compositor e ator José Mendes faz um apelo honesto: que a tristeza e a saudade deem espaço à felicidade. Por conta de sua singeleza, a faixa lançada originalmente no disco Não Aperta Aparício, de 1968, se tornou um expoente do cancioneiro regionalista gaúcho.
Natural de Lagoa Vermelha, no norte do Estado, José Mendes foi autor de clássicos como Para Pedro, Não Aperta Aparício, As Coisas do Meu Rincão, O Roubo da Gaita Velha, entre outros. Também teve carreira no cinema, estrelando três filmes. Porém, sua trajetória foi precocemente encerrada aos 34 anos: morreu em um acidente de carro, em 1974.
Composta em parceria com Oiram Santos, Vá Embora Tristeza surgiu na época que José Mendes vivia em São Paulo. Segundo a viúva do cantor, Maria Isabel de Deus, os dois autores se conheceram antes do Gaúcho Seresteiro gravar a estrondosa Para Pedro, de 1967. Encontravam-se com certa frequência. Era um momento que José Mendes passava dificuldades, tentando encontrar seu espaço.
Conforme Maria, os dois parceiros musicais estavam em um apartamento JK, perto da Estação da Luz, na região central da capital paulista.
— Começaram a fazer a música, e ela fluiu. Um processo que levou menos de uma hora. Foi uma coisa linda — relata Maria.
O compositor, produtor e pesquisador musical Henrique Mann destaca que a simplicidade de Vá Embora Tristeza reflete a personalidade de José Mendes. De acordo com Mann, o autor era uma pessoa de uma musicalidade simples, mas que, ao mesmo tempo, trazia um alto grau de complexidade.
— Acho que essa música reflete muito bem as características pessoais do José Mendes, como a capacidade de tocar o público de uma forma vertical rapidamente, com uma simplicidade de versos, acordes e melodias, que são sempre belos — avalia o pesquisador.
Para a compositora, cantora e violonista Ana Matielo, Vá Embora Tristeza apresenta um sentimento muito compartilhado:
— É uma simplicidade da saudade que nos une também de alguma forma e a gente consegue se identificar.
Secando lágrimas
Nascido em 1971, José Mendes Junior era muito pequeno quando perdeu o pai. Quando era criança, lembra de escutar bastante Vá Embora Tristeza. Seu avô costumava repetir: “Ouça, teu pai não morreu, pelo menos está no rádio, tocando, então a gente nunca vai esquecer”.
— A voz dele ecoava pelo rádio, então era uma coisa que trazia para mim ele vivo — recorda.
Até que um dia, após um período vivendo em San Diego, nos Estados Unidos, Junior voltou ao Brasil e se conectou com a obra do pai. Em 2003, lançou o disco A Ti Meu Velho Querido, interpretando músicas de José Mendes. Vá Embora Tristeza era o carro-chefe do projeto.
— Eu tinha medo de cantar essa música — confessa. — Trata-se de um símbolo da voz do meu pai. Como se fosse um mantra. No caso da voz dele é muito enigmático.
Já a mãe e viúva ficou em êxtase com a gravação de Junior. E parou de chorar.
— Todos os anos eu chorava pela partida dele. E meu filho secou as lágrimas — emociona-se Maria. — Já se passaram 48 anos, quase meio século, que José Mendes partiu. Virou estrelinha. E a música ainda está aí — complementa.
Vá Embora Tristeza
Tristeza, por que você não vai embora
E faz esta saudade te acompanhar?
Tristeza, por que você não vai agora
E mande a felicidade em seu lugar?
Tristeza, vai pra lá
Saudade, vai também
Vem, felicidade
Traz de volta o meu bem