Arthur de Faria passou a vida atrás do som que acreditasse ser perfeito. E, segundo ele, finalmente o encontrou. O achado veio da soma do "tum", que vem da batida da percussão, do "toin", que sai do pulsar das cordas, e do "foin", oriundo das vibrações do sopro. Essa mistura dá o nome a sua banda. E, agora, a um álbum que acaba de ser lançado. Tum Toin Foin.
O disco está disponível nas plataformas de streaming e no YouTube. São 13 faixas instrumentais em que Arthur e os outros nove integrantes do grupo Tum Toin Foin querem construir paisagens e apontar novos caminhos musicais. E eles não exageram em suas metas. A obra é, de fato, um trabalho único, um híbrido de orquestra de câmara com banda, extrapolando os limites da música instrumental pelas fronteiras entre o erudito, o popular e o jazz.
— Não tem o clichê que muitas vezes tem de música instrumental, que é aquela coisa de fazer os instrumentistas tocarem um monte de solo. Como a maior parte das músicas nasceu como trilha de filme, elas têm essa coisa de contar historinha. Cada música te manda para um clima, para um brinquedo de um parquinho de diversões — explica Arthur, que destaca que, quando há um solo, ele está inserido no contexto.
E este encontro com o som perfeito para Arthur aconteceu justamente por ele inserir na Tum Toin Foin todos os instrumentos que sempre gostou, na busca por novos arranjos. Apaixonado por fagote desde criança, ele tratou logo de ter dois no projeto. Do Tangos & Tragédias, espetáculo a que assistiu 18 vezes e que foi grande inspiração, trouxe a combinação do violino e do acordeom.
— Ao mesmo tempo, tem essa coisa do violino e do acordeom fingindo que são uma orquestra. E uma cozinha, com guitarra, baixo e bateria, que bota fogo no negócio. Não fica contido. E, além disso, é uma combinação de gente que vem de tudo quanto é canto — conta.
Os cúmplices de desta aventura musical são Miriã Farias no violino, Gabriel Romano no acordeom, Agne Bazzani e Adolfo Almeida Jr. nos fagotes, Júlio Rizzo no trombone, Erick Endres na guitarra, Bruno Vargas no baixo, Güenther Andreas na bateria e Giovani Berti na percussão, com Arthur no piano, Rhodes e Clavinet D6.
E toda essa turma fará o show de lançamento do álbum que leva o nome da banda no próximo dia 26, a partir das 20h, no Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre. Os ingressos podem ser adquiridos pelo site do Sympla. A direção será de Áurea Batista, e a iluminação, com "projeções e tal", de Osvaldo Perrenoud.
A trilha até o álbum
Compositor, arranjador, instrumentista e pesquisador, Arthur de Faria atua no cenário musical de Porto Alegre desde os anos 1980. Liderou o Arthur de Faria & Seu Conjunto e a Orkestra do Kaos, além de compor trilhas para teatro e cinema em produções do Brasil e da Argentina — foram mais de 50. Entre álbuns e EPs, já soma 20.
A Tum Toin Foin começou em 2018, quando Arthur resolveu celebrar seus 30 anos de carreira escolhendo um apanhado de temas instrumentais que ele compôs e formando uma banda inusitada para interpretar novos arranjos. Juntou um time de músicos que tinham então entre 22 e 60 anos, vindos do rock, da música erudita, do samba, do choro, da música regional gaúcha e do jazz. Depois deste primeiro encontro, eles nunca mais se separaram.
— Quando a gente fez o primeiro ensaio, eu pensei "bah, achei o som que eu procurei a vida inteira, desde os meus 14 anos", pela combinação de instrumentos e de pessoas. E são duas gerações bem separadas. Enquanto metade tem mais de 58 anos, a outra tem menos de 35. Então, a gente tem um gap geracional aí. Mas eu digo que isso é uma experiência muito rara, em música é a primeira vez que isso acontece: todo mundo se gosta muito — conta.
E essa paixão não é apenas de uns pelos outros, mas também por tocar. O líder do grupo explica, orgulhoso dos integrantes, que todos os envolvidos são muito dedicados e empolgados com o projeto. E essa mistura dá tão certo porque o compositor ouve as sugestões dos membros e trabalha para que todos sejam contemplados e possam tocar como se sintam mais confortáveis, extraindo o melhor de cada um. Por sinal, em uma coluna recente em GZH, Juarez Fonseca escreveu que Arthur de Faria é o Radamés Gnattali do século 21.
— Fico feliz, porque o Radamés é uma fonte de inspiração muito grande para mim, desde garoto. E uma das coisas que sempre prestei muita atenção no Radamés é que ele escrevia para os músicos, não para os instrumentos. Nessa banda, quando fui escolhendo as pessoas e vendo de onde elas vinham, pensei: "Ah, tem que ter música que agrade todo mundo" — enfatiza, lembrando que a faixa Radar, que está no álbum, é em homenagem a Radamés.
Para dar vida às composições de Arthur, o grupo fez 52 ensaios, até que entrou no estúdio Audio Porto e gravou, em apenas três dias, as faixas que compõem o álbum. Todos numa mesma sala, no melhor estilo que uma grande banda de câmara merece. Isso foi em 2019. De lá para cá, pela dificuldade de encontro devido à pandemia de covid-19, o trabalho, que era para ter saído no ano seguinte, só ficou pronto agora — neste meio tempo, dois EPs foram lançados: o Tum, em 2020, e o Tum Toin, em 2021, em um aquece para o álbum completo, Tum Toin Foin.
Depois de colocar na rua o trabalho tão esperado, que Arthur e os demais músicos ficaram por dois anos ansiosos para ver ganhando vida, um novo repertório já começa a se formar. No show de lançamento, além das 13 faixas do álbum, o grupo ainda vai apresentar três músicas novas.
— Todo mundo toca muito apaixonadamente e, quando eu faço música instrumental, eu penso muito para que ela seja uma música não do cérebro, mas da emoção. E sempre pensando de um jeito que a pessoa se sinta mais feliz em tocar. Já que dinheiro a gente não ganha muito, pelo menos que a gente se divirta — diz Arthur.
Em paralelo
Arthur não toma conhecimento de seu sobrenome e, para ele, não existe "faria". Ele faz. Tanto é que, além de sua vasta carreira, com muitas criações em mais de 30 anos, ele ainda tem diversos projetos paralelos. No próximo dia 21, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) vai estrear um concertino para trombone e orquestra que o compositor escreveu para José Milton Vieira, primeiro trombonista da Ospa.
—Estou bem feliz, porque estudei na Escola de Música da Ospa, então ver a Ospa tocando uma obra minha é uma alegria — destaca.
Como compositor, ainda, Arthur está tendo muitas alegrias. Recentemente, a cantora Vanessa Longoni lançou um álbum só cantando músicas suas. Além dela, Paola Kirst, Paula Mirhan e Rhaissa Bittar também gravaram canções suas.
— Esse lado de compositor está muito feliz em áreas tão diferentes, de canção pop a concertino de trombone — pontua.
Mas também tem os livros. Finalizado neste mês, o crowdfunding para a obra Porto Alegre: Uma Biografia Musical — Volume 1, escrita por Arthur, conseguiu arrecadar 106% do objetivo. Este é o segundo de uma série de sete livros que contam a história da música na Capital — este novo episódio se junta a Elis: Uma Biografia Musical, de 2015. E entre o final deste ano e o começo do próximo, Lupicínio: Uma Biografia Musical, pesquisado durante o doutorado de Arthur em Literatura Brasileira pela UFRGS, com ênfase em canção popular, deve chegar para compor a saga.
— Eles estão saindo fora de ordem, que nem Star Wars — brinca.