A música de concerto pode ter fama de hermética. De quem toca, exige técnica apurada. Já para o público, demanda um ouvido atento, sendo encarada, muitas vezes, como mais difícil de assimilar do que gêneros populares. Mas dentro do próprio nicho, há profissionais que buscam derrubar essas barreiras, aproximando o trabalho mais clássico de outras sonoridades e de um maior número de ouvintes.
O violinista, regente, compositor e educador Arthur Barbosa, 56 anos, integrante da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), tem nas suas atividades autorais esse intuito agregador. Apreciador e estudioso dos ritmos latino-americanos, procura inserir esses elementos nos temas que cria. Além disso, em sua atuação como professor, faz questão de capacitar jovens para que tornem a música de orquestra mais acessível.
Nascido em Fortaleza e radicado em Porto Alegre desde 1995, Arthur tomou gosto pela musicalidade variada em casa. Sua família cultivava audições de música brasileira, mas tinha gosto eclético, o que o possibilitou contato tanto com referências latinas quanto com orquestras. Aos 16 anos, por influência de parentes, decidiu que seria músico de orquestra, mas não abandonou a predileção por sons que antes o cativaram.
— No decorrer da vida, percebi ter tido a sorte de cruzar com sons latino-americanos. Alguns deles têm similitude na questão do ritmo. A música é como um sentimento, faz parte das humanidades, não conhece fronteiras — reflete Arthur.
Um pouco dessas influências pode ser ouvida no disco 24 Caprichos Latinoamericanos, para violino solo, disponível nas plataformas digitais. O registro tem composições de Arthur executadas pelo amigo e colega Emmanuele Baldini, spalla (primeiro violino) da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
— Esse trabalho é fruto de toda uma vida aprendendo música latino-americana, não só a brasileira. Criei uma identidade baseada em música popular, mas com técnicas da música de concerto. Tem horas que parece música caprichosa de Pietro Locatelli ou outro violinista de técnica evoluída. E tem outras que soa como violino salseiro de Cuba — avalia Arthur. — Sou o que se chama de compositor nacionalista. Heitor Villa-Lobos foi um. Dizem que Alberto Nepomuceno foi o primeiro, pois usava estilo de compor europeu e foi incorporando elementos da música brasileira, das polcas, do choro.
Arthur morou no Chile e na Argentina, o que o fez se aprofundar nos ritmos desses países e ser exposto à musicalidade de outras nações hermanas. Sobre a razão pela qual resolveu não interpretar suas próprias composições, pontua que "não é solista".
— Me considero violinista de orquestra. Gosto de tocar e reger. Como compositor, isso é importante. Acho que ele (Baldini) faz melhor do que eu faria. A parceria entre compositor e interprete é muito importante.
Jovens
Em julho, Arthur apresentou no Theatro São Pedro sua Operita Violoncello. Com música dele e libreto de Álvaro Santi, o enredo acompanha a história de Maria, mulher que se dedica totalmente ao violoncelo, seu grande amor, mas que se vê apaixonada por um homem pela primeiro vez. Logo, o instrumento de cordas assume a forma humana, criando um triângulo amoroso. O argumento surgiu há tempos, depois de conversa com um antigo professor, quando era estudante:
— Ele disse que um solista tem de abdicar de muitas coisas.
Além dos cantores, a Operita foi acompanhada por um conjunto apenas com violoncelos e algo de percussão. Ele explica:
— Queria trazer a sonoridade de um violoncelo para uma ópera. O violoncelo tem uma tessitura ampla que permite essa experiência.
Arthur também é regente da Ospa Jovem, além de desenvolver outros trabalhos com músicos em formação. Para ele, é uma satisfação e uma responsabilidade:
— Em uma orquestra profissional, o regente é líder, mas não vai ensinar ninguém a tocar. Na jovem, a gente é professor também. O futuro da música de concerto depende dos jovens que estão estudando hoje. E nós, professores, precisamos levar a eles conhecimento e paixão. Tive alunos que estão na Europa, outros que se tornaram ouvintes do estilo. Talvez esse tipo de trabalho seja o que mais me dê orgulho.
Hoje, ele divide seu tempo entre estudo, trabalho e inspiração para compor. Pretende trabalhar no lançamento de uma suíte e fazer uma turnê para divulgar o disco 24 Caprichos.