A série Ao Pé da Letra explora músicas emblemáticas produzidas por artistas do Rio Grande do Sul. No roteiro, o compositor fala sobre como criou a canção, a relação com o contexto em que foi produzida e as referências presentes nos versos, além de resgatar episódios ligados à obra em questão. O segundo episódio da nova temporada do projeto aborda Reggae das Tramanda, de Armandinho.
Afinal, quem nunca imaginou pegar onda no Guaíba? Nem precisa ser surfista para isso, tampouco ser de Porto Alegre. O questionamento é um dos versos mais emblemáticos de Reggae das Tramanda, faixa do disco de estreia de Armandinho, lançado em 2002 e que leva o seu nome. A música é o tema do segundo episódio da série Ao Pé da Letra.
Armandinho lembra que a música surgiu em uma de suas visitas ao bar Timbuka, na Vila Assunção, zona sul de Porto Alegre. O estabelecimento, que foi demolido em 2008, ficava às margens do Guaíba — junto a uma das vistas mais bonitas da orla da Capital. Um dia, no começo dos anos 2000, acompanhado de amigos, o cantor estava por ali à beira das águas do cartão postal. Encantando com a geografia do local, falou a clássica frase: "Cara, tu imagina se desse onda no Guaíba?".
— Acho que o Guaíba desperta uma maresia na alma das pessoas. As encostas na zona sul despertam o íntimo desejo de que Porto Alegre fosse uma cidade litorânea ou que o rio fosse despoluído — diz Armandinho.
Essa idealização do Guaíba levou o compositor a um dos maiores clássicos de seu repertório:
— Imagina um lugar perfeito e bonito, com um barzinho com música ao vivo rolando, natureza. E o Guaíba, teoricamente, com ondas e despoluído, com aquele cheiro de peixe. Isso tudo foi embrião para escrever o Reggae das Tramanda.
Por outro lado, Armandinho destaca que a música é também sobre o processo acelerado de crescimento e urbanização de Porto Alegre ("Mas eu moro bem no meio de uma selva de pedra"). Com versos que dizem "Nessa cidade, quando bate uma fissura/ Pra fugir dessa violência, essa loucura/ Eu pego a freeway e vou dar um banho lá no píer de Tramanda", o músico ainda faz uma ode a Tramandaí, uma zona de escape.
Conforme Armandinho, Reggae das Tramanda relembra a época em que ele dava uma escapada das aulas e partia com os amigos até a praia para surfar. Alguém do litoral avisava por telefone que ia ter onda, e o músico e sua trupe pegavam a estrada em direção ao leste do Estado.
— Essa música é o grito do porto-alegrense querendo um pouco de natureza, de respiro, de surfe. Também o quanto Tramandaí é perto de Porto Alegre. A gente não se dá conta, mas é uma praia porto-alegrense. Está dentro da cidade (simbolicamente), faz parte disso — aponta.
Armandinho destaca que Reggae das Tramanda costuma levantar o público em seus shows — em especial, os gaúchos.
— É incrível porque, quando toco ela no Estado ou num lugar que tem gaúchos e faço aquele primeiro riff, cara, simplesmente vem abaixo. Gosto de fazer a gauchada ter orgulho aonde vou — pontua.
Letra
Eu hoje acordei
Querendo ver o mar
Mas eu moro bem no meio de uma selva de pedra
O pôr do sol no rio é que me faz sonhar
Quem nunca imaginou pegar onda no Guaíba?
E as mina tão no sol, e a galera tá no mar
Eu quero uma sereia de tanga na areia
O pôr do sol no rio é que me faz sonhar
Quem nunca imaginou pegar onda no Guaíba?
Nessa cidade quando bate uma fissura
Pra fugir dessa violência, essa loucura
Eu pego a freeway e vou dar um banho lá no pier de Tramanda
Pela estrada eu vou ouvindo um som
Um raggamuffin eu vou fazendo a mão
Vou ficar na praia todo dia