Soava como o caos. Cada itinerário foi intenso em sua jornada fugaz. Havia o talento e, sobretudo, a coragem. Também havia vícios e conflitos. Assim foi a vida da porto-alegrense Lorice Maria Finocchiaro, a Lory. Ela viveu pela arte, pela música, pelo rock, e morreu aos 34 anos em 1993, por complicações em decorrência da aids. Agora, seu legado artístico começa a ser resgatado.
O disco póstumo Lory F. Band, lançado em 1996, chega às plataformas digitais nesta sexta-feira (23). No sábado (24), a Sala Radamés Gnattali, da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, passa a receber a exposição Lory F. – Você Vai Ser Obrigado a me Escutar.
A mostra documental propõe um passeio na vida da artista. Com curadoria de Joana Alencastro, a exposição apresenta fotos, desenhos, cartas, vídeos, cartazes, panfletos e jornais, entre outros itens sobre Lory.
Baixista, cantora, compositora, produtora musical e desenhista, ela era uma multiartista. Desde os anos 1970, integrou bandas como Cor de Rosa, Sempre Livre, Sombras da Noite e Pretty Woman Band. Seu projeto derradeiro foi a Lory F. Band, entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, que reunia Ricardo Cordeiro no saxofone e voz – também conhecido como King Jim, que era seu principal parceiro de composições –, Marcinho Ramos e Marcelo Fornazier nas guitarras e Edinho Galhardi na bateria.
Joana define esse período como o mais visceral de Lory, em que ela protagonizava uma banda em um meio majoritariamente machista. Era linha de frente.
— Naquela época, ela fazia tudo: produzia release, desenhava, fazia rascunhos dos cartazes, marcava ensaios etc. Era muito produtiva. Sua obra é bastante emblemática. Que isso seja resgatado agora para que as novas gerações a conheçam — destaca a curadora.
O disco que chega nesta sexta às plataformas digitais só foi lançado quase três anos após a morte de Lory, com produção das irmãs Laura e Deborah Finocchiaro e da amiga Fernanda Chemale. Em 11 faixas, o álbum percorre ritmos como hard rock, blues, funk e pop rock.
Em um release datilografado pela própria artista, ela definiu seu estilo no palco como "uma mistura de Sade com Keith Richards" e que sua escola é o rock 'n' roll. Uma influência evidente na obra de Lory é Rita Lee, como pode ser percebido na suave e radiofônica Pro Amor Viver em Paz. Deborah, que é atriz e diretora teatral, conta que Lory amava Patti Smith, Rolling Stones, Suzy Quatro e Tom Waits, entre outros nomes.
— São letras simples e, ao mesmo tempo, megaprofundas, que falam com qualquer pessoa, independentemente de ser do rock ou não — sublinha Deborah.
Ela lembra que a faixa Baleada Noturna tem inspiração em um episódio no qual a irmã foi vítima de bala perdida, mas não teve ferimentos graves:
— Ela foi indignada para a delegacia, brigando (risos).
Deborah relata que Lory deixou algumas canções inéditas, que não foram gravadas. Assim que possível, seu plano é resgatar essas composições e gravá-las com diferentes músicos, em um disco-tributo.
Emblema
Para Deborah, falar da irmã não é só abordar sua música: há muitas particularidades na história de Lory. Ela a via ir a fundo com as drogas e depois passar seus últimos dias no hospital por causa do HIV.
— Os amigos da mãe não iam lá em casa, era muita ignorância. As pessoas tinham medo de se contaminar. Minha mãe, tadinha, sofreu horrores. Mas também cresceu muito com essa história toda — ressalta.
Deborah destaca que Lory é o "emblema de uma geração", especialmente pela sua autenticidade e por assumir sua doença.
— Era uma pessoa muito generosa, sem nenhum preconceito. Supercriativa, talentosa e habilidosa. Era curiosa. Ao mesmo tempo, sempre rebelde. Às vezes, era uma pessoa difícil, com conflitos. Como todos somos: a maravilha e o caos do mundo — descreve.
Mais Lory
Outras homenagens celebrando a vida e a obra da roqueira estão previstas para os próximos meses. A Casa de Cultura Mario Quintana vai inaugurar em setembro o Palco Lory F., que será situado no quarto andar, na Sala Radamés Gnattali. A abertura contará com show da instrumentista Lucinha Turnbull, guitarrista de músicos como Gilberto Gil e Rita Lee. "Estamos eternizando a presença e a importância de mais uma mulher gaúcha na história da música e da cultura brasileira", observou em nota Diego Groisman, diretor do espaço cultural.
No segundo semestre, será lançado um curta-documentário sobre Lory, com direção de Fredericco Restori. O filme terá como base entrevistas e documentos do acervo familiar, sendo disponibilizado nas redes sociais da Casa de Cultura.
No dia 30 de julho, às 20h, o programa de rádio Estação Sarau Voador terá Lory como tema. Com apresentação de Deborah e Roger Lerina, o programa contará com as participações de King Jim e Laura Finocchiaro. A atração pode ser escutada pelo site estacaodemocracia.com e, posteriormente, no podcast do Sarau Voador no Spotify .
Sobre a revisitação do legado de Lory, Deborah aponta que essas manifestações são significativas para a família – a artista deixou um filho, Ricardo –, pois havia muita riqueza na sonoridade da irmã.
— O trabalho dela é incrível. Pela simplicidade e profundidade das letras. Por ser uma mulher liderando uma banda de rock. Por ser uma baixista. Por ter sido um retrato de sua época. Principalmente, pela qualidade da obra — atesta.
Lory F. – Você Vai Ser Obrigado a me Escutar
- A partir de sábado (24), na Sala Radamés Gnattali, no 4º andar da Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas, 736, Centro Histórico), em Porto Alegre.
- Visitação de segunda a sexta, das 10h às 18h, e sábados, das 13h às 18h. Até 24 de outubro.