Marina Lima está de álbum novo. Ou melhor, faz sua estreia em um EP. Apenas quatro canções. Ou, como ela prefere chamar, quatro contos. Algo diferente dos álbuns tradicionais, com 10 ou 12.
Junto com o EP Motim, Marina colocou gratuitamente em seu site o songbook Música e Letra, com 175 músicas que gravou em 21 álbuns, transcritas pelo músico Giovanni Bizzotto (parceiro da cantora desde os anos 1990) e revisadas pela própria dona da obra.
Por que decidiu lançar o songbook neste momento?
Porque eu percebi que já tinha feito 21 discos. Assim, tenho 65 anos, 43 de carreira e 21 álbuns. E a gente já não faz muito parte, ainda, da História, então é importante para uma mulher deixar a sua história e o seu legado. Vinte um discos é uma obra. É importante transcrever isso, fazer um livro de partituras, de cifras para o estudante. É a obra toda para ele poder estudar. E eu descobri que o meu ouro não está apenas nas canções que escrevi, mas nas que gravei também. Em 2018, completei 21 discos, aí pensei que estava na hora de registrar isso para chegar junto comigo.
Um songbook costuma marcar o fim de um ciclo e o início de outro. Como você percebe essa fase na carreira?
Vejo que a forma de fazer música mudou. Com a chegada do digital, quase ninguém compra mais, nem CD. Antigamente, quando comecei minha carreira, no final dos anos 1970, o artista fazia um ou dois discos por ano ou disco de dois em dois anos. Era normal, era como uma novela da Globo, que acontecia uma vez por ano. Mas tudo isso mudou. Então não tem razão de eu continuar tendo que fazer algo que nem todo mundo mais ouve. A demanda de atenção, de novela, de disco, mudou tudo. Música nunca deixaria de fazer, é minha aptidão, mas a forma como vai chegar até você pode ser um álbum, um EP, uma trilha sonora. Tem várias maneiras novas com que posso trabalhar. Eu gosto de música, sou curiosa e gosto de me aventurar.
Como você vê esse cenário em que o consumo da música está mais fragmentado, em que as pessoas ouvem mais playlists do que discos inteiros?
O formato de se consumir mudou completamente. Quem ouve um álbum? Só se você amar muito um artista e reservar, sei lá, com dois dias de antecedência: depois de amanhã, tal hora, vou parar tudo para ouvir o disco. O mundo é assim. São 24 horas e milhões de coisas para fazer. Então achei que seria mais fácil consumir quatro músicas. Quando um compositor faz um disco, um álbum, é bem correspondente a quando um escritor escreve um livro. Agora, o EP para mim, vejo como quatro contos. Lancei quatro contos. Foi isso que percebi que era diferente, mas gostei, porque nunca tinha feito, e adorei o resultado. Gostei de ser mais curto, mas profundo.
Na faixa Nóis, você canta ao lado de Mano Brown sobre o “vírus mais matador”. Suas músicas sempre trazem referências da época. Como tem sido criar neste momento?
Olha, eu, Marina, pessoalmente, sou uma sortuda, porque eu fico isolada, corro menos risco possível, trabalho com música, tenho como segurar. Mas não adianta você ser privilegiado num cenário devastador como esse. Não é vantagem. Por exemplo, quando eu tinha 18 anos, adorava carro, adorava dirigir. Hoje em dia, não tenho carro, porque acho o Brasil um país tão desigual, fico constrangida de parar no sinal e ver milhares de pessoas que não têm a menor perspectiva e eu no meu carro, num país tão desigual, não aguento. Tem um lado muito difícil, que essa pandemia nos faz repensar sobre toda a maneira que a gente levou a vida até agora, mas particularmente no Brasil, me faz repensar sobre a tremenda desigualdade que há aqui, que não muda. Então isso me chateia, dá muita raiva, mas o que eu tento fazer é usar a minha aptidão, que é a música, para ajudar a tirar a gente disso tudo. Alegrar, apontar perspectiva, fazer dar vontade de dançar, de pensar, de repensar, é isso que eu busco com a minha música, mas o que no momento está bem difícil.
Sente muita falta dos palcos e da interação com o público?
Eu sinto. Hoje em dia, a gente tem rede social, tem Twitter, tem Instagram, tem tudo, mas você ter um feedback é raro. Antigamente, quando comecei, só havia jornais e rádio. Tocava no rádio nas cidades que morei, no Rio de Janeiro e agora em São Paulo, toquei muito em rádio, sempre viajei, mas quando apresentava um show que descobria que eu tocava tanto no Rio Grande do Sul. O público que descobri que eu tinha Porto Alegre era imenso. Da mesma maneira, tinha gente em Macapá que cantava as minhas músicas. Levei um susto com isso. Foi uma emoção incrível, ver que realmente permeava a vida daquelas pessoas com a minha música. Não tem nada igual. Na hora que você sobe no palco, dá uma energia que nem sabe que tem, porque é tão forte. Você recebe de volta um negócio que é indescritível. Demora para passar. Sinto falta porque é muito mágico. É uma troca de amor. Isso me faz falta porque já provei e sei como é bom.