Há mais de 60 anos a América Latina adiciona suas cores e temperos ao rock and roll. Se nos primeiros passos predominavam covers em inglês ou versões em espanhol de sucessos "gringos", não demorou para que o gênero fosse incorporado à identidade local, ganhando particularidades próprias do México ao Uruguai. A minissérie documental Quebra Tudo: A História do Rock na América Latina, disponível na Netflix, destaca alguns dos principais momentos e nomes desta jornada pelo ponto de vista hispânico — o Brasil fica de fora, mas é possível observar alguns pontos de similaridade e sintonia entre os movimentos que ocorreram aqui e nos outros países do continente.
Em seis episódios, Quebra Tudo apresenta o desenvolvimento do rock na América Latina a partir dos anos 1950, espelhando junto à música o contexto social e político de cada país. O foco da minissérie está essencialmente centrado na Argentina e no México, com passagens por Chile, Colômbia, Uruguai e Peru. Entre sucessos, shows e artistas históricos, boa parte do período retratado se dá sob crises econômica e social, repressão política, golpes de Estado, ditaduras militares e censura. De certa forma, a produção não deixa de ser uma aula de história musical sobre as turbulências contemporâneas América Latina.
O documentário é amparado por imagens de arquivos e depoimentos atuais de muitos artistas: de astros argentinos como Charly García, Andrés Calamaro e Fito Páez a integrantes de fenômenos mexicanos como os grupos Café Tacvba, Maná e Maldita Vecindad. Destaca também nomes do Chile (Los Prisioneros) e da Colômbia (Aterciopelados), entre outros. Ainda há convidados especiais dando os seus pitacos, como o músico americano David Byrne. O embate entre rock e liberdade é um tema onipresente nas conversas.
Quebra Tudo conta com uma construção envolvente, intercalando os depoimentos com as passagens musicais. Ao público brasileiro, sobretudo, tem caráter didático ao destacar uma banda como a argentina Soda Stereo, fenômeno de popularidade no continente, entre a comunidade latina dos EUA e também na Espanha, mas praticamente desconhecida no Brasil — é dela De Musica Ligera, canção que ganhou diferentes versões em português por Paralamas do Sucesso e Capital Inicial.
É uma minissérie interessante para ser digerida numa maratona, mantendo-se pulsante até o sexto episódio. Méritos do diretor argentino Picky Talarico, que fez carreira produzindo videoclipes de artistas latinos. No seu currículo também consta um trabalho como assistente de direção em Acquária (2003), filme protagonizado pela dupla Sandy e Junior. Aliás, ele dirigiu quatro clipes dos irmãos: Encanto, Desperdiçou, Nada Vai Me Sufocar e Replay.
Porém, em apenas seis episódios fica complicado dar conta plenamente de todos os principais envolvidos em uma história de 60 anos. Muitas ausências foram sentidas e motivaram críticas nas redes sociais. No Te Va Gustar, por exemplo, uma das maiores bandas do Uruguai, ficou limitada a uma citação. A cena do rock barrial argentino, conectado com o público suburbano e com bastante projeção entre os anos 1990 e 2000, representado por nomes como La Renga, não foi devidamente valorizada, apontaram alguns críticos.
Outros reparos a Quebra Tudo: a ênfase dada a grupos produzidos pelo músico argentino Gustavo Santaolalla, que vem a ser o produtor executivo da minissérie, e o foco excessivo no mainstream, relegando a papel secundário a cena underground e mais alternativa.
No final do capítulo derradeiro, Quebra Tudo busca apontar um caminho para um futuro feminino do rock latino, o que não deixa de ser válido e promissor. Mas talvez tenha faltado uma melhor mirada no cenário contemporâneo - nada se fala sobre a produção da última década, de fato um período de baixa para o rock em todo o mundo.
A minissérie mostra que, ao longo das décadas, as bandas da América Latina incrementaram o rock com criativas fusões locais: o gênero se atrelou a ritmos como tango, cumbia, ranchera, murga e salsa. Em meio a momentos de dificuldades, os latinos se apropriaram do rock e o reinventaram. Contudo, embora nomes como Maná e Soda Stereo tenham alcançado êxitos estrondosos pelas Américas, os grupos de rock de língua espanhola nunca atingiram o mercado de língua inglesa. Esse avanço só foi ocorrer nos anos 2010, com o reggaeton e o pop urbano, vide o estouro de Despacito.
Quebra Tudo foi lançado no mesmo ano em que o cantor porto-riquenho Bad Bunny foi o artista mais escutado no mundo no Spotify. Com três álbuns lançados em 2020, o artista que transita pelo reggaeton e trap também conquistou os Estados Unidos: El Último Tour del Mundo se tornou o primeiro álbum totalmente em espanhol a alcançar o primeiro lugar das paradas da Billboard nos 64 anos de história do ranking. Ou seja, a identidade latina que se impregnou na sonoridade dos artistas do México ao Uruguai rompeu barreiras e faz parte do presente da música pop mundial.