Por Gilmar Eitelwein
Jornalista e compositor
Morto aos 72 anos na última segunda-feira (13), Moraes Moreira sempre dizia que ele e sua turma dos Novos Baianos eram meio que filhos de João Gilberto. Certo, mas para nós eles também trouxeram Beatles e Jimi Hendrix à música brasileira e os misturaram com afoxé, maracatu, frevo, baião e, claro, samba e bossa nova. Alegraram o Brasil naqueles anos 1970, auge da ditadura militar.
E, desde que chegaram de Salvador para fundar seu próprio movimento, viveram uma linda experiência coletiva, uma comunidade hippie, num sítio em Jacarepaguá e também em um apartamento, no Rio de Janeiro. Viviam em bando, fazendo música e jogando divertidas peladas com músicos do Brasil inteiro.
Só fui conhecer Novos Baianos depois de o grupo acabar, quando cheguei à capital gaúcha e passei a acompanhar pela TV os festivais de música da Tupi, já no fim da década de 1970, e, em seguida, os festivais da Globo do início da de 1980. Lá no Alto Uruguai, naquelas colônias distantes, a informação era pouca e demorava a chegar. Foi aí que comecei a ouvir Novos Baianos nos acampamentos de finais de semana, nos festivais de música, nas rodas de som e nas festas da turma da faculdade, depois que Moraes já tinha saído do grupo, em 1975. Ele acabou se tornando um grande sucesso nacional, um dos compositores mais importantes de sua geração. Sua popularidade explodiu na voz de cantoras como Gal Costa, Elba Ramalho, Ney Matogrosso e tantos outros.
O repertório que embalava as noites das turmas de amigos, onde o violão corria solto, trazia Preta Pretinha e Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, e as festas de estudantes da PUCRS, da UFRGS, da própria antiga Casa do Estudante da José do Patrocínio e até da Terreira da Tribo eram animadas com frevos como Festa do Interior, Pombo Correio e Bloco do Prazer. O que dizer das festas de São João, então? Lá estava a alegria e o alto astral de Moraes, jogando para cima. Como atacante em direção ao gol, tipo aquele jingle da Rider na campanha vitoriosa da seleção no Tetra de 1994, que resgatou o grupo e sua interpretação de Brasil Pandeiro (samba de Assis Valente gravado no álbum Acabou Chorare, em 1972).
Nos apaixonamos por aquela fusão de música brasileira e seus vários ritmos com rock. Aquela geração da contracultura, anterior à minha, que explodiu em grupos e bandas após os Beatles do mundo inteiro, teve nos Novos Baianos uma síntese. Uma síntese brasileira. A invenção baiana do trio elétrico, por Dodô e Osmar e de onde Moraes despontou como primeiro intérprete, mexeu com o Carnaval e mudou a cara da festa de rua do país – sem considerar que nele surgiram músicos maravilhosos, como Armandinho e sua guitarrinha baiana. Eram eles, uma espécie de pós-Mutantes nacionalista, com forte enraizamento nos sons e ritmos brasileiros. Era alegria em tempos de ditadura e censura. Nos ajudava a driblar as intempéries daqueles tempos sombrios.
Moraes Moreira foi o principal compositor e intérprete daquela turma – e daquela geração de baianos pós-tropicalistas que vieram dar no centro do país após seus conterrâneos Gil e Caetano. Pepeu Gomes era um grande guitarrista, Baby Consuelo, uma cantora cheia de ginga, malícia e sabor, as letras de Galvão eram a síntese da psicodelia local, ele e Moraes escreviam a maior parte do repertório. E deles também nasceu o grupo A Cor do Som.
Moraes foi a antítese da canção engajada de Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré, mas não deixou de expressar suas preocupações sociais, sua paixão pela cultura e o folclore. Tinha alicerces sólidos na literatura brasileira – em um vídeo que circula na internet, ele recita um poema, um repente em forma de cordel, citando vários poetas e escritores importantes, do norte ao sul do país.
Dos músicos nordestinos que tomaram conta do Brasil pós-anos 1970, Moraes foi quem mais espalhou alegria, cantou em celebração à vida, chamou o público a cair na dança com seu frevo elétrico. Será lembrado como o cara que trouxe a alegria do Carnaval baiano à MPB, que levou multidões ao delírio em muitos frevos, choros, bossa nova, afoxés e samba-rock. Com ele, se vai um pouco de nossa identidade e musicalidade.
O Brasil ficou mais triste.
“Abra a porta e a janela/ e vem ver o sol nascer.”