Aos 72 anos, o músico Moraes Moreira morreu na manhã desta segunda-feira (13). A causa da morte ainda não foi divulgada. O artista estaria em sua casa, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Segundo informações do jornal O Globo, Moraes andava com a saúde abalada por complicações do diabetes, como pressão alta.
Compositor, cantor e violonista, Antonio Carlos Moreira Pires nasceu em Ituaçu (BA), a 470 km de Salvador, em 8 de julho de 1947. Também poeta e escritor, ele se enquadra como um artista versátil. Suas composições musicais misturam ritmos como rock, samba, frevo, choro e, entre outros, permeando até o erudito.
Seu início na música foi na adolescência, tocando sanfona – instrumento que ganhou de sua irmã. Aos poucos, ele passou a se apresentar em eventos variados, como festas de São João, casamentos e batizados. Tinha como referência Luiz Gonzaga.
Em 1963, quando estudava na cidade de Caculé, no interior da Bahia, Moraes conheceu vários violonistas e foi arrebatado pelo violão. Com 19 anos, mudou-se para Salvador para cursar medicina, mas ingressou no Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Como não havia ainda vaga para estudar violão, ele entrou inicialmente no curso de percussão. Foi nessa época que ele se encontrou com Tom Zé, com quem Moraes passou a estudar cifras e composição.
Na pensão em que vivia, ele conheceu os futuros parceiros do grupo Novos Baianos: Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão. A eles se somariam Baby Consuelo, no vocal e na percussão, e o guitarrista Pepeu Gomes, entre outros músicos de apoio.
Novos Baianos
A primeira apresentação da banda é realizada com o show Desembarque dos Bichos depois do Dilúvio, no Teatro Vila Velha, em Salvador, em 1968. No ano seguinte, o nome do grupo surge durante o 5º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em São Paulo. Aludindo a nomes de conterrâneos como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, o apresentador do evento chamou ao palco “esses novos baianos”.
Com o novo nome, os Novos Baianos lançaram o primeiro disco em 1970, intitulado É Ferro na Boneca. Antes, os músicos passam a morar juntos em um apartamento no Rio de Janeiro. Eles conviviam com João Gilberto, que os influenciou a incorporarem diferentes gêneros às composições – como bossa nova, frevo, baião, choro e frevo, entre outros ritmos. Mesclando música brasileira com guitarra elétrica e rock, os Novos Baianos calcaram sua sonoridade.
É no segundo álbum que o grupo fez história. Lançado em 1972, Acabou Chorare apresenta influências de samba, rock, ritmos regionais e psicodelia, além de trazer sucessos como Menina Dança, Mistério do Planeta, Brasil Pandeiro e Preta Pretinha, entre outros destaques. Inovador e descontraído, Acabou Chorare é considerado um dos mais influentes da música brasileira. Um exemplo disso se refletiu em seu primeiro lugar na lista dos 100 maiores discos da música brasileira feita pela Rolling Stone, em 2007.
Acabou Chorare foi produzido enquanto o grupo morava em um sítio na estrada para Jacarepaguá (RJ). Ali, a banda vivia como uma comunidade em um ambiente hippie, cuja gestão era compartilhada.
Após cinco discos com os Novos Baianos, Moraes Moreira parte para a carreira solo a partir de 1975. Moraes voltaria a se reunir com o grupo em outras ocasiões para a realização de shows e turnês. Com o grupo, lançou o disco ao vivo Infinito Circular (1997), com canções de álbuns anteriores e algumas inéditas. Em 2007, Moraes Moreira publicou o livro A História dos Novos Baianos e Outros Versos, que conta a história do grupo em linguagem de cordel.
Solo
Moraes seguiu fazendo história em sua carreira solo. Ele se tornou o primeiro cantor de trio elétrico, em 1976, quando subiu no trio de Dodô e Osmar, em Salvador (BA). Na ocasião, ele cantou a marchinha Pombo Correio. Embora os trios já existissem naquela época, ainda não havia o acompanhamento de cantores.
Com mais de 20 álbuns lançados ao longo da carreira solo, um dos destaques de sua discografia é Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, de 1979. O trabalho conta com canções em parceria com Pepeu Gomes, Jorge Mautner e Armandinho, entre outros nomes. Além da faixa título, destaque para Eu Sou o Carnaval.
Composta em parceria com o poeta Fausto Nilo, a música Santa Fé foi tema de abertura da novela Roque Santeiro (censurada pela ditadura em 1975 e exibida pela Rede Globo em 1985).
Seu último trabalho de estúdio foi lançado em 2018: Ser Tão traz influências da literatura de cordel e do repente, com tom declamatório em faixas como Origens e O Nordestino do Século, marcando uma transição de Moraes na canção autoexplicativa De Cantor pra Cantador.
— Desde menino ouvia muito os sanfoneiros e cantadores. Esse disco serve para resgatar essa veia. Sempre tive de fazer algo voltado para as minhas próprias raízes — explicou o cantor em conversa com GaúchaZH, em 2019.
Lupicínio
Em entrevista a GaúchaZH, concedida no ano de 2016, Moraes Moreira contou uma curiosa história de quando conheceu Lupicínio Rodrigues — e não o viu cantar.
— Nos anos 1970, João Gilberto falava muito de Lupicínio Rodrigues, e a gente ficava curioso. Fui conhecê-lo aí em Porto Alegre, no bar Cadeira Vazia, do qual ele era dono. Ele ficava de terno branco, engomadíssimo, e as mulheres enlouquecidas, gritando “Lupicinio, canta Vingança! Canta Vingança!”. Só que ele tinha um compadre que sabia todas as músicas, então ele dizia para o compadre cantar os pedidos, enquanto ele ficava bebendo e batendo papo com as mulheres do bar. Passei a noite inteira no Cadeira Vazia e não vi o Lupicínio cantar uma nota — relatou.
Moraes contava com mais de 20 músicas inéditas, que foram compostas recentemente, como informa o jornal O Globo. Sua intenção era montar um show só com as novas canções. Outro objetivo ainda era reunir em disco as vozes das mulheres que gravaram suas músicas — como Gal Gosta e Maria Bethânia. O artista baiano também estava juntando textos para um novo livro de cordel e poesias.
Poesia e vida
Ocupante da cadeira de número 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Moraes Moreira estava cada vez mais envolvido com a poesia.
— Estou na minha fase Maria Bethânia (risos). Tem sido muito bacana misturar música com poesia. Posso fazer homenagens a nomes locais, como Erico Verissimo, Mario Quintana, Lupicínio Rodrigues, além de trazer poesias do Sertão — destacou o artista a GaúchaZH.
Em entrevista ao jornal O Globo, em janeiro deste ano, ele descreveu que sua saúde estava como a de alguém de 72 anos. "Gostava muito de tomar cachaça, aprendi nas serenatas, é uma coisa cultural, do interior. Mas o médico mandou, disse que eu teria úlcera o resto da vida se continuasse. Nunca mais bebi. Eu era um bom ‘cachacista’. Agora, tomo um vinho, mas nem isso quero mais", lamentou.
Moraes não escondia a consternação com o cenário em que a cultura se encontra sob o atual governo brasileiro. Em entrevista a GaúchaZH no ano passado, ele avaliou que tudo estava ocorrendo inesperadamente.
—Às vezes eu acho pior que na ditadura. Naquela época, nós sabíamos: era tiro e pronto. Ainda assim, tocava-se muita música brasileira na época. Não tinha uma relação determinada contra a cultura — analisa.
No show de Ser Tão, essa preocupação entrava no roteiro:
— Pergunto em um poema no show: dá para viver sem cultura? A humanidade toda foi permeada pela cultura. A arte sempre sobreviveu a perseguições ao longo da história. A cultura há de resistir a este momento.
Último cordel
Em seu último post no Instagram, do dia 17 de março, ele escreveu um cordel sobre a quarentena.
“Oi, pessoal. Estou aqui na Gávea entre minha casa e escritório, que ficam próximos, cumprindo minha quarentena, tocando e escrevendo sem parar. Este cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para apreciação de vocês. Boa sorte”, escreveu.
Leia abaixo o último cordel de Moraes Moreira :