Ao fim deste ano, completam-se 250 anos de nascimento de Ludwig van Beethoven (1770-1827), expoente máximo da romantismo na música e um dos maiores compositores da história.
Uma série de atividades, inclusive no Rio Grande do Sul, está programada para festejar a música do autor, de suas sinfonias marcantes a seus quartetos tardios, experimentais e revolucionários.
Neste texto, listamos 10 fatos e histórias que você provavelmente não sabia, ao menos com tantos detalhes, a respeito do compositor:
Idade indefinida
Quando Beethoven nasceu, Mozart, aos 14 anos, já era um concertista celebrado na Itália — e sobre ele circulavam diversas lendas ou histórias exageradas, inclusive sobre seu talento precoce. Como resultado, qualquer criança prodígio que mostrasse inclinação para a música precisava ser consagrada antes dos seis anos — data em que Mozart se apresentou para a própria Imperatriz Maria Tereza. Assim, Johann, pai de Beethoven, além de submetê-lo a um regime brutal de treinamento e disciplina musical, marcou um concerto para a consagração do filho pianista mirim em março de 1778. Embora Beethoven tivesse à época sete anos, Johann mentiu que ele teria seis, justamente para igualá-lo ao miraculoso Mozart.
O recital não atraiu atenção, mas, devido às mentiras de sua idade na época e ao fato de que seus pais já haviam tido um filho chamado Ludwig, morto ainda bebê em 1769, Beethoven passou a maior parte de sua vida acreditando ser mais jovem do que era. Ele afirmava com convicção que havia nascido em 1772, e que os registros oficiais do batizado de um "Ludwig Beethoven" em 1770 eram na verdade de seu irmão falecido – embora o primeiro Ludwig tenha morrido um ano antes disso. Aliás, Beethoven, o compositor, foi o terceiro Ludwig Beethoven de sua família, dado que seu avô também tinha o mesmo prenome.
O espanhol
Esqueça Gary Oldman ou Ed Harris, atores anglo-saxões branquelos que interpretaram Beethoven no cinema. As descrições físicas deixadas por amigos e interlocutores apresentam o compositor como um homem de pele morena, cabelos escuros, olhos negros e estatura mediana, menor do que a média da Alemanha de seu tempo. Além, é claro, do seu temperamento vulcânico, nada semelhante ao estereótipo da "frieza" germânica. Devido a todas essas características, na juventude Beethoven era chamado por amigos e vizinhos como "o espanhol".
Soubessem os vizinhos disso ou não, o apelido até que era apropriado. A avó do músico por parte de mãe, María Josefa Poll, é apontada, de acordo com diferentes versões, como espanhola ela própria ou como descendente de espanhóis que migraram para a Alemanha para fugir da Guerra da Sucessão Espanhola - um conflito de 12 anos causado pela morte, em 1700, de Carlos II, o último monarca dos Habsburgo na Espanha.
O movimento romântico
Embora Beethoven fosse um gênio com tendência a entrar em atrito com seus professores desde tenra idade, ele também era fruto de seu tempo. Suas concepções artísticas – e mesmo o quanto seu trabalho provocou impacto – foram influenciadas diretamente pelo movimento romântico alemão que se formava à sua volta. Como conta Edmund Morris em sua biografia do compositor, à época em que o jovem Ludwig, com 14 anos, conseguiu seu primeiro emprego remunerado como músico da corte, "havia turbulência geral no ar": "Em Weimar, Goethe legitimara Sturm und Drang, uma nova retórica de sentimentos sem freios; em Königsberg, Kant argumentava que a relidade era menos objetiva do que subjetiva; e em Mannheim, Friedrich von Schiller escrevia poemas e peças que sensacionalmente relacionava a ação teatral à ação política."
O revolucionário
Beethoven tinha plena consciência de que pertencia a um "novo tempo", em que um homem com talento inegável podia desafiar convenções e fazer as coisas a seu próprio modo – em que, em suma, os verdadeiros aristocratas seriam os artistas, alçados à glória não por méritos de nascimento ou hereditariedade, e sim pelo puro talento. Também por isso sua música é revolucionária, por mudar completamente os padrões do então vigente classicismo vienense.
Entre as novidades que ele introduziu estão os motivos curtos e de fácil reconhecimento (como a célebre abertura de sua quinta sinfonia a do "ta-ta-ta-tããããã"). Filho e neto de cantores e regentes de coral, ele também incluiu um coro em sua nona sinfonia, algo inusitado para a época.
Os cadernos
Beethoven começou a apresentar problemas de audição quando estava no fim da casa dos 20 anos - a princípio, um incômodo zumbido que evoluiu até a surdez completa (agravada pelos tratamentos a que foi submetido pela medicina da época). Para evitar que seus amigos tivessem que elevar a voz durante as conversas, chamando a atenção em público, na última década de vida Beethoven carregava cadernetas no bolso, para que seus interlocutores pudessem escrever o que queriam perguntar-lhe. As mesmas cadernetas eram também usadas por Beethoven, quando estava sozinho, para anotar ideias e frases musicais e para lembretes a si mesmo, além de eventuais respostas escritas.
Quando ele morreu, deixou um conjunto de mais de 130 cadernos, que ofereciam um bom vislumbre do que foi sua vida em seus últimos anos. O material foi surrupiado por seu ex-secretário Anton Schindler e usado amplamente na primeira biografia do compositor, publicada em 1840. Mais de um século depois, durante a década de 1970, os pesquisadores Dagmar Beck e Grita Herre chegaram à conclusão de que Schindler teria fraudado muitas das entradas nas cadernetas para vender a ideia de que era mais próximo do mestre do que de fato havia sido.
A amada imortal
Um dos episódios mais misteriosos sobre a vida de Beethoven é o da "amada imortal", nome pelo qual ele chama a destinatária de uma carta escrita em julho de 1812, durante uma estadia em Teplitz, na Bohemia, atualmente parte da República Tcheca. O rascunho a lápis, provavelmente nunca enviado, foi apropriado após a morte do compositor por seu assistente e primeiro biógrafo, Anton Schindler. Após a morte de Schindler, em 1864, a carta ficou sob a guarda de sua irmã até ser vendida para a Biblioteca Pública de Berlim em 1880. Como o documento não estava datado, a época e o lugar de sua escrita só foram esclarecidos nos anos 1950, após um exame detalhado da marca d'água no papel.
As especulações sobre a identidade da "amada" nomeada na carta chegam a mais de uma dezena de possíveis candidatas. A maioria dos historiadores contemporâneos fecha questão na mecenas e colecionadora de arte Antonie Brentano, esposa de um próspero negociante de Frankfurt, ou na condessa húngara Josephine Deym-Brunsvik, que teve aulas de piano com Beethoven. Um filme sobre a história foi produzido em 1994 com Gary Oldman no papel do compositor, mas a mulher apontada na trama como a "amada" é a mais improvável das escolhas, sua cunhada Johanna van Beethoven, com quem ele travou uma disputa judicial pela guarda do sobrinho.
Encontro de gigantes
A viagem de Beethoven para Teplitz tinha dois motivos: aliviar, por recomendação médica, sua saúde combalida, e finalmente conhecer cara a cara o outro gigante da cultura alemã, o poeta e escritor Johann Wolfgang von Goethe. Beethoven e Goethe se admiravam, cada um já havia escrito correspondências com elogios superlativos ao trabalho do outro. Ao mesmo tempo, tentavam convencer um ao outro a visitá-lo em seu próprio terreno sem parecerem demasiado solícitos. Goethe, 21 anos mais velho, fez mais de um convite para que o maestro se hospedasse em sua casa em Weimar, ou que se vissem em Karlsbad, estação de águas para onde ia com frequência. Beethoven prometeu enviar pelo correio a partitura da música instrumental que havia composto para o drama Egmont, de Goethe, mas a remessa jamais foi feita.
Os dois finalmente se encontraram na semana que Beethoven passou em Teplitz. Conversaram, fizeram longas caminhadas e Beethoven apresentou até mesmo a ideia para um libreto que Goethe comporia para ele musicar. Embora tenham se tratado bem, os dois homens eram muito diversos em temperamento e personalidade, e depois que retornaram a seus respectivos lares, sua correspondência foi interrompida de todo. Aquela que poderia ser a maior ópera de todos os tempos nunca se realizou.
Beethoven x Beethoven
Um episódio que revela o lado implacável da personalidade vulcânica de Beethoven é a amarga batalha judicial, repleta de conflitos e golpes baixos, que ele empreendeu contra sua cunhada, Johanna von Beethoven, pela guarda de seu sobrinho Karl, filho de seu irmão Caspar, morto em 1815, aos 41 anos. Caspar havia deixado redigido em seu testamento o desejo de que o filho fosse criado pela esposa e pelo irmão. Beethoven jogou pesado com sua reputação para levar a justiça a anular essa disposição. Entrou contra Johanna, de família burguesa, no tribunal encarregado de decidir questões da aristocracia, mesmo que a única evidência de nobreza na família Beethoven fosse a desenvoltura com que o compositor frequentava as grandes cortes europeias.
Ludwig também moveu uma campanha de descrédito moral contra a mãe do então menino de nove anos, e conseguiu a guarda. Obcecado por fazer de seu sobrinho, a quem às vezes chamava de filho, uma continuidade de si próprio, Beethoven criou o jovem com tal rigidez que, aos 19 anos, cansado de tentar atender às expectativas do tio e insatisfeito por não poder seguir a carreira militar, como era seu desejo, mas não o de Ludwig, Karl tentou o suicídio disparando duas pistolas contra a própria cabeça. Por incrível que pareça, sobreviveu.
Saúde frágil
Que Beethoven era surdo é uma daquelas verdades universalmente reconhecidas. Menos falado é o quanto ele teve saúde frágil desde a infância. Suas biografias registram episódios de colite, reumatismo, febre reumática, tifo e icterícia. Tinha também uma pele em estado lastimável, algo que a idade agravou (muitas cartas de contemporâneos e admiradores são bastante explícitas em descrever seu rosto cheio de manchas e crateras e sua pele "áspera como a de um lobo"). Também sofreu abscessos, oftalmia, degeneração inflamatória das artérias, hepatite crônica e cirrose hepática.
Em seus últimos dias, padeceu de hidropsia – o médico e professor Ignaz Wawruch, que o tratava, drenou em uma única punção abdominal 11 litros de líquido de seu corpo. Beethoven ainda teve forças para uma piada e comparou o médico a Moisés, "tirando água de uma pedra". Até hoje não se sabe o verdadeiro motivo de sua surdez. As principais hipóteses sugerem complicações devido a tifo ou o agravamento de sua doença arterial crônica. O historiador médico Edward Larkin, por sua vez, arrisca que ele sofria de lúpus erimatematoso sistêmico.
Influência no futuro
As obras-primas de Beethoven não influenciaram apenas gerações de compositores depois dele. Sua obra foi responsável por uma decisão técnica que determinou por anos o padrão tecnológico da audição de música. O padrão de 80 minutos de duração estabelecido para a então nascente mídia dos CDs foi influenciado por Beethoven.
Entrevistado pelos desenvolvedores que trabalharam na nova mídia, um dos mais famosos regentes do século 20, o austríaco Herbert von Karajan, disse que uma nova plataforma de audição só valeria a pena se fosse possível "ouvir a nona de Beethoven sem precisar virar o disco". A sinfonia tem duração de 70 minutos. Não é de se surpreender, aliás, que o próprio CD já tenha morrido, e a obra de Beethoven continue viva.