Uma flauta de Bach, graves esparsos e refrão contagiante foram os elementos necessários para Bum Bum Tam Tam, do MC Fioti, ser a primeira música brasileira a alcançar a marca de 1 bilhão de visualizações no YouTube. Lançado em 2017, o clipe cresceu no Brasil, mas virou um hit global, com a audiência do exterior ultrapassando a de seu país de origem.
Foi um fenômeno de dimensões raras, mas que ajuda a entender como a nossa música de massa é ouvida no mundo.
De acordo com levantamento feito pela reportagem a partir das 200 músicas mais ouvidas no Spotify em 51 países, o funk é o gênero brasileiro que, ao mesmo tempo em que é escutado no Brasil, consegue ter sucesso internacional.
Entre MCs que têm músicas ouvidas lá fora, Anitta é a mais bem-sucedida. Downtown, parceria com o colombiano J Balvin, em espanhol, entrou nas listas de 44 dos 51 países, incluindo os Estados Unidos. O sucesso de Downtown, porém, é triunfo maior do reggaeton do que da música brasileira. É, também, resultado das parcerias e dos esforços de Anitta em se promover lá fora.
Mas Vai Malandra quebra essa lógica. O funk eletrônico é um dos hits da cantora mais conectados com o Brasil e também tocou muito no exterior. Chegou ao Top 200 de 15 países, incluindo Suíça e Hungria, além dos latinos.
De maneira geral, fazer sucesso no exterior tem a ver com ir além de Paraguai e Portugal - que consomem quase tudo o que é hit no Brasil. Mas, mesmo nesses países, o funk tem mais apelo do que o sertanejo. Deu Onda, do MC G15, chegou ao primeiro lugar no Paraguai. Amor de Verdade, do MC Kekel, em Portugal.
Em comum, G15, Kekel e Fioti têm a ajuda de Kondzilla. O canal que deu cara ao funk ostentação de São Paulo é um dos responsáveis pela internacionalização do gênero. Além do alcance no YouTube, o videomaker introduziu ideias de produção mais limpa e economia nos palavrões. O funk mainstream ficou mais parecido com o pop latino, mesmo mantendo sua cara.
Não surpreende que Kondzilla agora tenha contrato de distribuição internacional com a Universal. Também não assusta que Kevinho, outro MC da Kondzilla, tenha se apresentado para uma multidão no Lollapalooza Chile. Sem cantar em espanhol ou fazer parcerias com gringos, ele teve a música Olha a Explosão no Top 200 de 28 países, com alcance maior na América do Sul.
Apesar da ascensão do funk, o Brasil não é bem uma potência na criação de hits globais. O gênero k-pop, da Coreia do Sul, por exemplo, emplacou 985 músicas em países estrangeiros. Já as brasileiras foram 180 no período analisado.
Música eletrônica
Na música eletrônica, barreiras como a língua são menores. Hear Me Now, hit estrondoso do DJ brasileiro Alok, chegou a 45 dos 51 países analisados. Sua melhor posição foi na Noruega (6º), mas a faixa rodou o mundo e chegou até Estados Unidos e Europa.
Ao contrário de funk e sertanejo, que dividem a preferência do brasileiro, a EDM (sigla para uma vertente da música eletrônica que mistura outros gêneros) não chega a 6% do consumo nacional.
Segundo Gabriel Lopes, empresário de Alok desde o começo da carreira, o plano foi divulgar a faixa na Europa.
— Em países com maior cultura da música eletrônica, fomos mais bem aceitos — disse.
Nas turnês, Alok privilegia Estados Unidos e Europa, onde estão os principais festivais, em detrimento da América Latina. Até seu selo, o Spinnin' Records, é holandês.
— Hear Me Now tinha muita semelhança com músicas do mercado internacional. Como foi a primeira música dele com destaque, as pessoas não conseguiam identificar (que era brasileira). Agora, sabem que é música brasileira por causa do nome Alok — conta Lopes.
E o sertanejo?
Se o funk é ouvido tanto no Brasil quanto no exterior, a música eletrônica se estabelece lá fora em detrimento do sucesso local. O sertanejo, com mais de um terço do Top 200 nacional, não chega a outros países. Gigantes por aqui, Wesley Safadão, Jorge & Mateus e Marília Mendonça, só têm hits em Portugal e Paraguai.
Gustavo Alonso, autor de Cowboys do Asfalto, lembra quando o sertanejo tentou ser exportado — do disco em espanhol de Victor & Leo à aventura de Milionário & José Rico na China.
— Alguns tentaram fazer carreira no mercado latino. Chitãozinho e Xororó até mudou de nome para ajudar a pronúncia. Mas nem na América Latina eles se consolidaram — explicou Alonso.
O grande hit internacional do sertanejo continua sendo Ai Se Eu Te Pego. A música de 2011, de Michel Teló, ainda hoje aparece no Top 200 de Suécia, Finlândia e Dinamarca.
Apostando em bachatas (ritmo derivado do bolero), os esforços recentes de Luan Santana e Gusttavo Lima são tentativas de mudar esse cenário.