Por Everton Cardoso *
Neste fim de semana, a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro apresentou, em Porto Alegre, duas montagens operísticas — ambas do século 18, curtas e encenadas em sequência. Foi uma grata experiência para quem testemunhou mais uma evidência de que este é um bom ano para a cena lírica porto-alegrense.
O primeiro número da noite foi Il Maestro di Cappella, de Domenico Cimarosa. Neste "intermezzo cômico", o barítono Daniel Germano interpreta o regente que tenta organizar um conjunto musical desordenado. A cena foi construída de modo bastante singelo: a cortina de veludo vermelho do teatro estava entreaberta; a iluminação realçava o movimento de tecidos pretos ao fundo por trás da cena; e alguns instrumentistas estavam sobre o palco enquanto outros se posicionavam diante deste, mas no mesmo nível da plateia. O figurino do protagonista era um fraque cuja casaca tinha cauda longuíssima. O resultado era uma atrapalhação do cantor-ator que era bastante condizente com o gênero bufo no qual está inscrita a história.
Daniel foi convincente no canto que conduz esta narrativa que tem um potencial didático imenso. Ao buscar organizar a apresentação musical, o personagem convoca os instrumentistas, e estes tocam. Entre intervenções musicais da orquestra e cantaroladas do regente, vai se formando um diálogo musical instigante. É possível, assim, identificar claramente e discernir, entre todos os sons da orquestra, qual é cada um deles — desde os mais conhecidos, como os violinos, aos menos, como fagote e oboé.
Não seria lindo ter o Theatro São Pedro lotado de jovens e crianças para ver nesta montagem sua primeira ópera? Como tem apenas 30 minutos de duração, uma narrativa simples e provoca riso frequente, oferece a possibilidade de uma concentração sem grande esforço. O resultado certamente seria uma experiência positiva para formar público.
Em Il Maestro di Musica, atribuída a Giovanni Battista Pergolesi, o que se viu foi também uma montagem bastante competente, com destaque para o figurino de Antonio Rabàdan. Com uma estética retrô anos 1960, deu aos personagens uma aparência meio Jetsons — a família do desenho animado que estreou em 1962 e que retrata um futuro espacial pleno de robôs.
O tenor Flávio Leite usava calça e camisa azuis e tinha a pele pintada de alaranjado para encarnar o professor de música que dá nome à obra e que se apaixona por sua aluna Lauretta, personagem da soprano Raquel Fortes. Com rosto, pernas e braços verdes, cabelos loiros e um vestido magenta, ela surpreendeu no momento em que entrou em cena, impacto reforçado pela ótima interpretação vocal e gestual.
O barítono Daniel Germano, com pele azulada e roupas laranjas, deu vida ao empresário Colagianni, que forma o triângulo amoroso cujo fim será inesperado. Complementa a trama uma Dorina toda azul com vestido amarelo, a outra pupila de música interpretada pela também soprano Elisa Lopes. Aliás, o dueto da audição das duas alunas é o ponto alto da peça, como comprovaram as risadas da plateia. Talvez uma coerência estética maior dos figurinos com os elementos cênicos — estes contemporâneos demais — tivesse deixado tudo visualmente mais afinado.
Mais uma vez, um bom espetáculo operístico em Porto Alegre teve a mão de Evandro Matté, que assina a direção artística e a regência, como acontece com as montagens líricas da Ospa. Mas esta não é a única repetição: a extinta orquestra Unisinos Anchieta apresentou Il Maestro di Musica em abril de 2018; e os solistas têm sido vistos com frequência em cena em diversas montagens líricas. São, pois, redundâncias que evidenciam um circuito de produção operística que tem se formado na cidade e o quanto ele tem crescido e se qualificado.
* Jornalista e crítico