Quando se fala em Fresno, a associação imediata para muita gente ainda é aquela cena emo brasileira dos anos 2000 – integrada por jovens franjudos que desfilavam pelos shoppings com munhequeiras quadrilhadas, camisetas pretas, câmeras digitais para o fotolog, cinto rebite e seu sentimentalismo aguçado, além de bandas como NX Zero e Dance of Days. Já faz tempo que a banda porto-alegrense, que completa 20 anos em dezembro (as comemorações estão previstas para 2020), transgrediu esse cenário – tanto esteticamente quanto em sua sonoridade, consolidando-se como um dos grupos gaúchos mais bem-sucedidos deste milênio.
Com duas décadas de estrada e evolução, a Fresno lança disco novo neste sábado, às 20h, no Opinião, em show com ingressos esgotados. Intitulado Sua Alegria Foi Cancelada, o oitavo trabalho de estúdio da banda é conciso e transita por diferentes ritmos – desde um arrocha pessimista (O Arrocha Mais Triste do Mundo) ao groove (Cada Acidente), além de retomar o emo e pop punk (Isso Não É Um Teste e Quando Eu Cai) e a melancolia das letras que eram bastante marcantes nos primeiros álbuns.
— Tentamos construir um disco que mostrasse a amplitude de som da Fresno, de às vezes fazer coisas muito pesadas e às vezes muito calmas. É um álbum para recuperar um pouco o gosto e o senso que tínhamos para fazer coisas pops, como na época do Redenção (2008), sem precisar explicar muita coisa — aponta Lucas Silveira, vocalista e guitarrista da Fresno.
Conforme ele, a intenção da banda era fazer um disco enxuto, que não fosse uma ópera como o anterior (A Sinfonia de Tudo Que Há, de 2016), trazendo um discurso mais direto. Ao mesmo tempo que as letras discorrem sobre a tristeza, caso da faixa-título Sua Alegria Foi Cancelada ("Por fora todos tentam melhorar/ Por dentro fingem que vão conseguir/ Se depender de mim, não vai mudar/ O medo não me deixa prosseguir") e de Natureza Caos ("Tá tudo mal, mas tudo bem/ Eu sei que pra você também"), há também espaço para canções de resistência e que refletem o contexto político em que o álbum é lançado (We'll Fight Togheter e Convicção).
— Falamos muito dessa tristeza interna, mas também tratamos de uma tristeza que sentimos enquanto sociedade, que acaba não nos permitindo nos sentirmos felizes. Quando tenho um momento incrível na minha vida, parte de mim se sente muito privilegiada e mal por aquilo por ser uma coisa que nem todo mundo possa ter. Hoje em dia é difícil você simplesmente sofrer por amor sabendo que tem pessoas sofrendo por coisas mais básicas, como por existir — reflete Lucas.
Para o músico, Sua Alegria Foi Cancelada trabalha tanto com a tristeza micro quanto com a macro:
— É um álbum triste que se coloca em uma sociedade em que é impossível você ficar triste somente pelas coisas que acontecem contigo porque enquanto grupo, enquanto humanidade, você também está sendo abusado de várias maneiras.
Lucas avalia que a Fresno faz as pazes com o seu passado voltando a fazer música triste em seu oitavo disco. Contudo, além de abordar a melancolia, as músicas do álbum são composições de quem já passou por aqueles momentos difíceis mais de uma vez.
— Nos últimos anos, a temática era "eu passei por isso e sobrevivi, assim percebi que...". Foi um disco composto em um momento muito sombrio da minha vida pessoal, que eu estava lidando com coisas que não estava sabendo lidar de novo, que aconteceu na minha adolescência e depois teve esse furacão que aconteceu na minha vida quando a banda começou a fazer sucesso, o que não te dá tempo de pensar nas coisas. Quando você começa a pensar mais velho e mais maduro, passa a ter a verdadeira dimensão — avalia Lucas. —Mostramos ao fã que a gente atravessa por isso também. Às vezes, ele ouve Fresno para não se sentir sozinho. Eu falo de uma coisa que ele está sentindo, que existe, que não é um caso único — completa.
Apesar da temática sorumbática de Sua Alegria Foi Cancelada dialogar com os primeiros trabalhos da banda, a Fresno transcendeu ao longo dos anos as limitações estéticas da sonoridade emo pela qual ficou conhecida no Brasil inteiro.
— Em música, dá para fazer muito mais do que aquilo. Como a história da banda também é a minha história como músico, é natural que eu vá aprendendo novas coisas e tente aplicar ao meu som. Nosso novo disco tem um estética bastante suja e distorcida, é diferente de todos os outros — pontua.
Mais perguntas para Lucas Silveira
Por que a turnê de Sua Alegria Foi Cancelada inicia com somente seis datas?
Estamos experimentando uma maneira nova de trabalhar com banda aqui no Brasil. Querendo ou não, banda de rock tem uma exigência de estrutura e equipamento que inviabiliza nossos shows em muitos lugares. Queremos fazer poucos e ótimos shows. Isso acaba educando nosso público a ver a gente, pois não é sempre. O fato só ter lançado poucas datas de primeira fez com que a procura tenha sido enorme. Nós nunca tínhamos feito ingressos esgotados no Opinião.
Até poderia abrir data extra.
Mas neste caso queremos buscar educar nosso público que um show é um momento insubstituível, que é de verdade, um momento que está acontecendo ali. Com a quantidade de oferta de shows, inclusive nossos, isso vai banalizando. Nosso fã já foi a 10 shows, como é que vai fazer ele ir ao décimo primeiro? Então tem que ter esse caráter único. Com menos shows, a gente consegue concentrar nossa energia de maneira tão mais focada, de fazer ser um negócio que vamos dar 200% do que a gente tem, sem pensar que tem fazer mais três shows no final de semana.
Como é estar na mesma banda há 20 anos?
É tanto tempo que minha história pessoal se confunde com a história da banda. De quem está na banda também. O Vavo (Gustavo Mantovani, guitarrista) começou a banda comigo. Acho que existe um esforço nosso de convivência para não chegarmos a ter grandes tretas. Como em um relacionamento, tem que ser mantido na base do respeito e da admiração. Depois de passar tudo que a gente passou, de ser uma banda que tocava no primeiro lugar das rádios, MTV, aqueles prêmios e maluquices todas, já conseguimos ter o distanciamento de tempo para perceber que esse sucesso é bastante passageiro. Quando encontro um cara de banda nova que está fazendo sucesso pela primeira vez, sinto vontade de agarrar aquela pessoa e dizer: "Cara, não acredita nisso, faz as tuas músicas, continua focado no que tu amas e curte fazer". Estar em primeiro lugar fazendo shows lotados pode ser passageiro, que não tem como manter. Já passamos por tudo isso. Vimos muitos artistas surgirem e se tornarem o maior do Brasil, mas caírem no ostracismo. Fico vendo como essas pessoas lidaram com isso. Como eu lidei com isso quando a Fresno parou de ser uma banda que estava em todo lugar. Ninguém me falou, mas eu gostaria que tivessem falado antes, que o jeito era fazer as melhores músicas que eu conseguisse, e tomara que as pessoas achassem que essas músicas fossem boas.
Também há uma base de fãs que acompanha a banda desde a década de 2000 e cresceu tendo vocês como trilha sonora. Como esses fãs acompanham a Fresno hoje?
Hoje esse pessoal está nos seus 20 ou 30 e poucos anos. Todo momento de crise, como a que o país atravessa agora, exacerba o saudosismo. Isso explica o sucesso de Sandy e Junior agora. O pessoal voltando a assistir e debater Friends. O cara consumia uma coisa quando era adolescente, cresceu, virou adulto, se distanciou por causa da vida. Quando o cara está lá, mais estabelecido, consegue respirar e falar: "Putz, mas isso era legal". Vejo as pessoas voltando a ir ao nosso show, mas agora com o filho e com o marido ou a mulher. O saudosismo acontece quando cada movimento completa seus 10 ou 15 anos, e estou vendo esses revival muito forte de emo. Querendo ou não, Fresno é uma referência dessa galera no Brasil.
É curioso que a banda é associada àquela geração de bandas do hardcore e do emocore dos anos 2000, com Nx Zero e Forfun, porém me parece que vocês transgrediram essa bolha.
Era uma cena com várias bandas de inclinações diferentes. Não era o mesmo tipo de som, havia bandas como a gente, mas também tinha bandas que iam para um lado superpop, como Cine. Ao mesmo tempo, nos consideramos filhos de uma geração que tem CPM 22, Garage Fuzz e Dead Fish, grupos mais identificados com o punk rock e hardcore. Mas naquela época estavam todas num bolo parecido. Enquanto fenômeno cultural, o emo foi mais relevante porque era tendência de jovens que começaram a quebrar aquela noção de masculinidade do macho alfa. Principalmente pelas nossas letras mostrarem um cara que não está com vergonha de falar de amor ou de temas mais pesados, como depressão, o olhar melancólico sobre a coisa. Quando começamos, isso não era uma tendência lá no começo dos anos 2000, mas era a maneira que eu fazia música. Hoje são pautas tão presentes na sociedade, da quebra da masculinidade tóxica, de mostrar a vulnerabilidade. Esse lado do emo como fenômeno cultural trouxe à tona essa discussão e propôs um novo modelo de homem. Hoje isso é uma pauta que já está batida, mas em 2008, enquanto as pessoas estavam batendo e chamando emo de veado, ninguém estava discutindo isso.
O que você espera para os próximo 20 anos de Fresno?
Além de continuar tocando, que estejamos falando de outros problemas. De problemas novos. Sempre vai haver problemas. A humanidade evolui através da necessidade de resolver nossos problemas, de fazer nossa vida ser melhor e ser rica. Queria estar falando de outras coisas, não do que a gente vive hoje, ou que os nossos pais viveram. Vou querer estar falando sobre coisas diferentes daqui 20 anos. Com as pessoas querendo ouvir isso e vindo tocar no Opinião, ainda velhinho.