Mais do que o fim da trilogia da água, iniciada por Adriana Calcanhotto com Marítimo (1998) e seguida por Maré (2008), Margem, disco lançado na sexta-feira (7) nas plataformas digitais, é basicamente uma coletânea de faixas inéditas compostas e pensadas pela artista porto-alegrense na última década.
Margem começou a ser idealizado logo após o lançamento de Maré, em um processo de vaivém criativo que envolveu paciência, método e afinco. Além de ser o projeto com o maior período de produção da carreira da cantora, o novo álbum é o mais fiel resumo de suas vivências – pessoais e artísticas – na última década. Da incursão acadêmica em Portugal às influências sonoras que registrou em outros trabalhos (entre gravações ao vivo, disco com faixas inéditas, novos volumes da série Partimpim e tributo a Lupicínio Rodrigues), está tudo condensado em 28 minutos de música.
– É a primeira vez que lanço um álbum no momento exato em que percebo que ele está pronto – revela Adriana, por telefone.
No disco, há desde guitarras portuguesas – claras referências ao fado e aos ritmos do país com o qual a cantora criou vínculos, graças a uma residência artística na Universidade de Coimbra, onde estudou e deu aula – até estéticas sonoras contemporâneas e aparentemente pouco afeitas à forma de composição de Adriana, como o batidão do funk, base para Meu Bonde.
Foi tudo pensado durante os 11 anos de intervalo entre o meio e o fim da trilogia, como forma de, usando palavras da própria artista, condensar este período em forma de música.
– Quando fiz Maré, me deu a impressão de que não havia conseguido esgotar o assunto. Estabeleci então uma trilogia, mas sem a certeza de esgotá-la. Achava até mais charmoso deixar incompleta, porque cada um imaginaria a sua versão e eu não teria nada a ver com isso (risos). Então, fui trabalhando em paralelo. Deixei o disco na gaveta e ia pegando, largando, pegando, largando. Percebi que uma das grandes qualidades do tempo é essa capacidade de depuração, de decantação. Está tudo ali. Quem dera eu conseguisse convencer as pessoas de que preciso de 11 anos para fazer um disco – brinca.
Artista fará show na Capital em agosto
Margem será apresentado ao vivo em Porto Alegre, cidade natal de Adriana Calcanhotto, no dia 25 de agosto, em show no Teatro do Bourbon Country. No palco, deve ficar ainda mais evidente uma faceta perceptível do disco: a forte capacidade de análise de Adriana sobre suas próprias músicas. Há no álbum, mais do que em lançamentos anteriores, uma espécie de metalinguagem do fazer artístico, em canções que falam sobre a própria atividade de compor, como em Dessa Vez, em que Adriana diz: "Eu nunca soube o que fazer com as vírgulas/ Conheço umas palavras míseras". Ou Era Pra Ser, que sintetiza o início e o fim de uma paixão: "Era pra ser canção de amor/ Era o amor em versos/ Era pra ser sobre você (...) Era pra ser para você (...) O amor soprou de outro lugar/ Pra derrubar o que houvesse pela frente/ Tenho que te falar/ Que esta canção não fala mais da gente".
– Aprofundei muito isso ao dar aulas sobre como fazer canções. Acho que, em Margem, isso de fazer canções sobre canções fica ainda concentrado, já que antes esse tipo de letra aparecia aqui e ali na minha carreira – explica.
A turnê de Margem começa no dia 23 de agosto, em Belo Horizonte, e já tem 13 datas marcadas. Morando no Rio, a cantora deve voltar a Portugal para mais uma etapa de sua vida acadêmica.
– Estou vivendo de maneira intensa. Se estou lá, não quero ter saudade daqui. Quando estou aqui, não quero sentir falta de lá. Um pensamento quase budista de viver o presente.