O colecionador de discos Cristiano Grimaldi encontrou duas gravações desconhecidas, uma delas inédita, do pai da Bossa Nova, João Gilberto, 87 anos. Elas estavam na casa do pesquisador e colunista da Folha de S.Paulo Ruy Castro, que contou a história da Bossa Nova no livro Chega de Saudade.
Uma versão de Hino ao Sol, de Tom Jobim e Billy Blanco, com pior qualidade, já surgira havia alguns anos no YouTube. Em Chove Lá Fora, de Tito Madi, o músico interpreta a canção com um vibrato — um tremelique na voz dos cantores ao sustentar uma nota —, quando uma das marcas é justamente a ausência dessa técnica. Não chega, é claro, a ser um exemplar de "bel canto" cheio de melodrama. As duas gravações estão disponíveis no canal do YouTube do colecionador.
Os registros surgiram de um conjunto de oito acetatos sem rótulo ou qualquer identificação dados a Ruy por Jonas Silva, membro do antigo conjunto vocal Os Garotos da Lua que foi substituído por João, depois de reclamações por não cantar tão bem.
Todo lançamento, para virar vinil, era antes gravado em uma matriz de acetato, um disco de metal com uma camada fina por cima. É um material muito frágil, e usar uma agulha mais pesada no toca-discos pode danificá-lo para sempre.
– Os discos estavam em mau estado. O acetato, como é de metal, dilata e contrai com a variação de temperatura. Mas a camada, não. Por isso ela começa a trincar e a se esfarelar, perdendo o material – explica Grimaldi.
O colecionador escolheu um, desamassou-o, começou a colar os pedacinhos da camada que se soltavam e o colocou para tocar. Gravou pedaço por pedaço e depois juntou-os digitalmente. Em um lado, estavam as duas gravações de João. No outro, uma banda ainda não identificada.
Data das gravações é imprecisa
Não há como saber exatamente quando as canções foram gravadas nem o seu contexto, mas pelo canto com mais vibrato do que o músico costuma usar, seria possível estimar que foram feitas antes de João ganhar mais prestígio, ao tocar o violão para Elizeth Cardoso no disco Canção do Amor Demais (1958) e, depois, ao lançar Chega de Saudade (1959). O palpite de Grimaldi, portanto, é de que as gravações são de 1957.
– Acho que não são acetatos caseiros, porque estes, na época, eram gravados em 78 rotações por minuto. E esse está em 33 rotações, a mesma de um vinil normal – aponta Grimaldi.
Mas Ruy Castro acredita que, como João ainda não era tão famoso naquele ano para poder gravar acetatos, o mais provável é que elas sejam do segundo semestre de 1958 —Canção do Amor Demais, no qual o músico toca violão, afinal, saíra em maio daquele ano.
— Da volta para o Rio até a gravação de Chega de Saudade, a quantidade de casas em que ele teve que morar, porque não tinha dinheiro... Ele só se tornou alguém entre os dois discos — afirma.
Não é a primeira vez que gravações assim aparecem. Em 2011, surgiu também no YouTube um conjunto de 38 canções gravadas por João Gilberto em um ambiente informal, a casa de Chico Pereira, fotógrafo da gravadora Odeon, que conhecera o pai da Bossa Nova por intermédio de Roberto Menescal e Carlos Lyra. Algumas dessas canções, registradas em 1958, com conversas pelo meio, nunca entraram em disco algum dele.
Ruy Castro conta que, durante a pesquisa para Chega de Saudade, teve acesso a um conjunto considerável de registros de João em diversas ocasiões. Mas afirma que ainda há gravações perdidas, como o trabalho dele no mercado publicitário.
— De vez em quando alguém me manda algo. Ele cantando algum jingle... Tem um que ele gravou em São Paulo que eu não encontrei — afirma.
Ele afirma ainda que deve haver gravações desconhecidas das faixas de Chega de Saudade e O Amor, o Sorriso e a Flor.
— Como se ele tivesse acertado de primeira... Isso não é possível. Tem que ter versões alternativas e abandonadas. Da Billie Holiday, tenho gravações feitas 10 vezes. Será que a Odeon jogou fora? — questiona Ruy.